Tuesday, October 30, 2018
O Pintor Sem Rosto!
Tempos inesquecíveis que passo a descrever com um “brilhozinho”
no olhar e no coração por atestarem e existirem no que sou e perceciono com
emoção, abraçando-os com muito carinho.
Quando ainda de terna
idade senti estes instantes únicos. Inabordáveis por viverem no fascínio de mim
com ternura. Beleza. Encanto.
Pertencem ao meu Mundo.
Tínhamos bem presente
em nós que aquela gruta estava abandonada e que havia perigo nos poços de água
profundos e escuros que podiam “engolir-nos” nas suas trevas. Tremíamos pelo
frio sentido ali, mas também por encontrarmos a angústia do querer em todos
nós, cada vez que caminhávamos mais para o seu interior.
O nosso coração parecia
estalar pela ousadia de perturbar aquele lugar, um espaço que não era nosso,
mas que defenderíamos e conheceríamos até à morte.
O suposto guardião da
gruta dos nossos sonhos era o Joaquim. Nunca o entendi verdadeiramente. A sua
postura fingia ignorar-nos ou ignorava-nos mesmo. Havia nele algo sofrido,
ausente do mundo. Sentava-se à porta de sua casa num banco de madeira tosca e
pintava.
Expunha os seus quadros
ao longo daquela rua, mas nada fazia para os vender. Olhava-os demoradamente. A
sua Arte parecia absorvê-lo, extasiá-lo. As suas obras pareciam deliciá-lo, mas
ele não estava ali, disso tinha eu a certeza absoluta. Por vezes, imaginava-o
em sonhos, montar num cavalo alado e cavalgar rumo a destino incerto, distante
dali, até ao infinito.
O Pintor não tinha
corpo, habitava somente o espírito e a Alma. Quando passávamos com medo dele,
nunca proferiu um gesto, uma palavra.
A Avó Maria nunca soube
nas nossas investidas ali. Quando alguém falava do pintor ela sorria com
ternura e abraçava o olhar, de forma aprazível e misteriosa.
Hoje, sinceramente,
penso que o guardião da gruta estava somente, na nossa apurada imaginação, na
ilusão acalentada e consolidada dos nossos sonhos inocentes, doces, infantis.
Obrigado.
António Pena Gil