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Campanha do Agasalho 2009

Thursday, November 30, 2006

Um parasitismo nada fácil de lidar

Um parasitismo nada fácil de abandonar


Albergo em mim um parasitismo. Só de pensar nele assusto-me. Não é nada fácil de lidar com ele. Está sempre presente em mim. Lado a lado.
Em todo o lado para onde vou. Para a frente. Para trás. Sinto-o constantemente perto.
Exercito-o para que se desapegue de mim a todo o instante. No entanto, mostra-me que é um companheiro para toda a vida, apesar de lhe pedir que me abandone. É fiel, mas uma companhia incómoda.
Sussurra-me coisas que não necessito, só me atrapalham.
Só me complicam. E complicam o que pretendo fazer. Tornam-me inútil e feito de nada!
Sim! Controla-me os actos. As atitudes. Os gestos. A falta de habilidade para o que quer que faça.
Observo-o. Observo-o quando sonho. Rio. Choro. Estou alegre. Estou triste.
Quando trabalho! Sim! Quando trabalho não me ajeito de modo nenhum ao que faço ou projecto fazer, nunca fazendo bem!
Todos comentam o meu parasitismo porque o descobriram. Ele disse-lhes!
Tinha de dizer-lhes, fiel, mas exausto da sua própria presença indesejada em mim.
Tinha-se acomodado, mas tentei muitas vezes, enxotá-lo de mim. Suporto-o, inevitavelmente porque o criei, o construí com as pálpebras apegadas às letras, às palavras.
Ainda mais: criei-o para mim. Para que dialogasse comigo e fosse eloquente e útil em todos os momentos que eu vivesse.
Confesso que o reconheceram. Mesmo assim, ele faz-me sentir bem, o parasitismo, quando abrimos em comum os livros e os lemos e os escrevemos e os falamos.
O arrependimento e os remorsos da traição dele não são fáceis de compreender.
No entanto, regressa sempre ao que sou. Não me larga. Agita-se e acompanha-me.
Até no vazio de mim o pressinto e à sua companhia arrependida.

Traiu-me numa ou noutra situação, mas eu afago-o na mesma, convicto de que não poderia existir sem ele.

Lutei com ele e vivi com ele, juntos, um parasitismo explicável e que valeu a pena pelo que aprendi!

Deu-me o pensamento e com ele as ideias, as palavras, o amor, a estima e o respeito às pessoas.
Em suma, uma dádiva muito importante: o amor e o apego à vida e a vivê-la intensamente.

Um parasitismo nada fácil de abandonar! Mas, sofrido. Sofrimento terno por amor e por amor ao saber e ao conhecimento de mim, das leituras intermináveis noites adentro, para ficar na mesma. Como estou!

Um justificado parasita!
Pena, Agosto 2006

Monday, November 27, 2006

Um rosto inconfundível

Aquele inconfundível rosto


De novo observo aquele inconfundível rosto.
Um rosto infantil de silhueta desperta, que abraça a vida com um olhar meigo e sincero. Olhar bem definido, buscando e rebuscando a compreensão, a justificação para si e para os outros.
Sonhos infantis por concretizar num corpo franzino que pede amor.
Rosto que se escreve e se lê com um único som, com um único movimento, com um único gesto. Um rosto infantil em pensamento adulto.
Flor a desabrochar de pétalas alvas e puras, descobrindo o segredo de existir, mostrando a poesia e a magia encantada que vão em si. Dentro de si.
Porquê...? Porquê...? Porquê o Mundo...? Porquê a Vida...? Porquê o nascer...? Porquê o fim de tudo...? Perguntas por responder, sentimentos inexplicáveis que lhe vão dentro de si sem confundir o que é, o que sente, o que observa, o que vive. Sentindo, observando e vivendo, atentamente! Com dedicação. Com amor.
E, sorri! Sorri com delícia, com alegria, animando com o seu sorriso todas as suas interrogações. Talvez, nunca satisfeitas! E, sabe disso. E, sorri de novo para si e para o Mundo! Com deleite e conquista.
Escreve tudo no diário de si. No diário da vida. Da sua vida e da vida dos outros. Escreve com prazer. Escreve com jeito desencantado sabe-se lá onde. Escreve curiosa que é. Escreve com encanto e com uma presença arrebatadora, doce e lucidamente desperta. Demasiado desperta! Com uma presença viva e intensa que lhe pertencem. Bem visíveis! Aparentando genialidade que desconhece e não sabe definir. São parte de si, da leitura que fazem dela, do seu pensamento real adulto que devia ser infantil.
Fala-me em poesia... Como se a poesia pudesse defini-la? Ela que não se define! Ela que não mora em si. Não pertence a si. Não pertence a ninguém. Ela que não é de cá!
O olhar desvenda-lhe imensos segredos. Mexe. Agita-se na ânsia de ser alguém. E, ela merece. Merece porque pensa. Pensa em jardins, em poesia, em beleza. Mas, é tudo dela. Na beleza e pureza que habitam em si. Só por viver. E, perguntar o que não tem resposta.
Oxalá permaneça sempre assim. Como é! Com perguntas e dúvidas por descobrir.
Oxalá permaneça sempre assim, naquele rosto inconfundível de esperteza, de lucidez! De curiosidade infinita!
Jamais o esquecerei! Disso pode estar certo. Disso pode estar convicto, aquele rosto inconfundível!
Poliedro, Novembro de 2006

Saturday, November 25, 2006

O meigo Pedro e o adorável Tiago

O meigo Pedro e o adorável Tiago




O espelho da vida reflectiu-me sempre as imagens deles.
O meigo Pedro e o adorável Tiago.
Sempre me vi neles. Sempre os escrevi assim. Sempre os sonhei assim.
Chorei como uma criança quando abriram os olhos para a vida, quando deram os primeiros sons para o exterior de si, como num sonho belo e interminável.
Qual poesia poderá expressar os meus sentimentos sobre eles?
Encontro-os sempre em mim, mesmo quando estão afastados. Mesmo distantes! Sinto-os. E, sinto-os, porque os adoro! Amo-os com um amor inexplicável, para além do mundo, para além da realidade visível.
Revejo-os em sombras alegres, adornadas de flores e plantados com o afago incansável de um jardineiro no canteiro de mim. No canteiro escondido do que sou!
O Pedro é terno. Inconformado com o justo e o injusto. Juiz da causa explicativa do que o seu olhar perspicaz observa.
O Tiago esconde em si a alegria e o encanto do seu amor em existir, por ser fiel aos seus dezassete anos.
Que dizer mais sobre os meus filhos?
Tudo vale, mas... Entrego-os à vida, desde que a vida os reconheça, como eu me reconheço neles! Vale a pena! São filhos dela também. Filhos da vida, filhos da minha vida que guardo cuidadosamente e carinhosamente em tudo o que preservo suspenso no meu desejo, do que desejo de bom, no meu e no pensamento deles e por eles.
Eu sou eles. Eles são eu.
Um bem-haja pelo que são e pelo que me fazem ser!
O meigo Pedro. O adorável Tiago.
Pena. Novembro 2006

Uma DOCENTE que muito admiro e estimo

Uma DOCENTE que muito admiro e estimo



Já lá vai uma vida!
Conheci-a numa altura algo controversa e indefinida da minha existência. Confesso que tive sorte. Uma imensa sorte! Ensinou-me o valor da mais pura e simples amizade. Inequívoca! Sentida! Verdadeira!
Ela sabe apaixonar-se facilmente pela vida e, entregar-se totalmente a ela. Com amor e dedicação. Sabe apreciar as coisas, as pessoas e os actos quando são belos, assumidamente perfeitos, onde tudo, infelizmente soa a falso e a imperfeito. Tem um sentido de oportunidade preciso e intenso, bem guardado em si.
Revela um companheirismo e uma presença constantes nos instantes difíceis, penosos e dolorosos. É inqualificável na ternura solidária, pois, abraça os momentos com o que pode dar e não dar!
É um portento de alegria e satisfação na ajuda solidária a tudo o que a envolve e a tudo o que a rodeia. Preocupa-se e reage sempre como sente e vê as coisas, fiel ao seu pensamento que nunca atraiçoa e nunca o violenta.
-Cala-te! Estás a exagerar!
- Só consigo dizer: -Nunca estive a ser o mais sincero em toda a minha Vida! E, faço questão que se congele esta afirmação no livro da vida para que nunca se perca! Tomem nota: bem congelada porque é visível. É real.
Não! Não é uma professora qualquer. É uma Professora Especial que se aprende a gostar, sem a qual a Educação, a autêntica Educação e, falo de Seres Humanos que são os alunos, ficariam mais pobres, mais desamparados.
Quem disser que é uma professora como qualquer outra, não sabe, ignora, o que de mais puro e belo é uma entrega incondicional aos alunos, ao futuro destes, num mundo tão competitivo e exigente que lhes vai surgir pela frente. A conquistarem o direito pleno a serem felizes e a viverem a sua própria felicidade!
Esqueceram-se que a felicidade existe? A felicidade existe na escola e fora dela! Perguntem-lhe porque ela é assim. Porque age assim? É um convite! Façam-no!
Aprendi com ela a preservar um carácter. Aprendi a guardar e a lutar pelos valores e os ideais que transporto em mim
. Por tudo isto a que sempre me habitou e faz parte do que sou. Do que penso! Do que sinto!
O valor da pedagogia!
O valor da magia de ensinar e educar!
O valor de me transcender quando é preciso e quando não é preciso!
O imenso valor da entrega à Arte de Ser!
O valor de viver num abraço a todos os que se agitam e movem num estabelecimento escolar, minimamente organizado, cuidado, respeitado.

A estimar tudo o que mexe ali!
O valor de inovar!
O valor de criar!
O valor de imaginar!
Até o valor de sonhar!
E, eu tenho de fazer uma pausa. Prolongada. Reflexiva.
Comecei a olhar. Comecei a apurar o olhar para tudo à minha volta.
Matutei e matutei!
Comecei a ver tudo feito de crianças, a compreender e a conquistar o seu encanto!
A ajudá-las no seu sofrimento, porque às vezes sofrem, na angústia, nos momentos menos bons.
Ali tudo respira. Tudo tem sentimentos. Ali tudo ama.
Como tudo ali poderia ser BELO!
Ela ensinou-me a ser eu próprio. Sim! A ser livre de pensar! A acabar com o alheamento e a minha forma de vivenciar uma personalidade amargamente silenciosa e remetida ao meu interior, como a minha personalidade era feita.
Ela descobriu-me algo. Sempre vivi de livros. Sempre me escrevi e escrevi os outros. Ela descobriu que havia algo. Algo na minha conduta que valia a pena apurar. Perscrutar. Esclarecer. E, eu descobri-me!
Descobri-me a olhar os corações das crianças repletos de bondade, ansiosos por serem amados, aconchegados, estimados e escutados. Descobri-me a ensinar, a ouvir atentamente porque contam uma vida? Porque contam imensas vidas?
Fizemos ambos isto tudo.
Tiramos o adesivo da boca em que estávamos amordaçados num eterno silêncio de há muito e inspirámos-lhes o amor de viver! A realizarem sonhos. A realizarem os seus mais belos sonhos escondidos e por concretizar. Inacabados! Sofridos!
Sonhos de heróis incompreendidos, por serem como são.
Verdadeiros lutadores inconsequentes e de fibra!
Pequenos Heróis que lambem e limpam o suor com a manga da camisa que não têm, com o desejo de serem compreendidos e amados. Afagados num abraço desmedido e sem fronteiras de qualquer espécie.
Só compreendidos e amados!
Sim! Ficariam satisfeitos e eternamente agradecidos. Sentir-se-iam bem, creio.

Ela tudo isto me ensinou. Sim! Ensinou. Sorrindo!

Com um sorriso inesquecível!

Se fosse quem de direito: PREMIAVA-A! Dava-lhe um louvor! Dava-lhe um certificado de compreensão de vida! Não que ela o desejasse ou quisesse, mas sim porque merece. Merece, PLENAMENTE!

Ela sabe fazer as pessoas estarem de bem consigo próprio!
Ela sabe o que é a amizade!
Ela sabe amar as crianças como ninguém. Não rindo, mas sorrindo! Entregue a uma capa oculta por ser bela.
E, acima de tudo sabe dar tudo o que tem e o que não tem!
Enche-me de orgulho conhecê-la!

-Quem é? - Perguntam, apenas com curiosidade.

E, eu respondo, convicto de que nem todas a merecem:
-Ela sabe!- E, isso é o que importa! Isso é que me importa!

Considero-a como da minha família. Com a ternura de uma irmã. Lado a lado.

OBRIGADO, Senhora Professora por ser assim! OBRIGADO por me ensinar a eu ser como sou! Penso que fui um bom aluno e posso dizer o que disse. Repetir, se for imperioso, tudo outra vez ou mais vezes, as vezes que forem necessárias, para que não a tomem como uma Professora qualquer, que não é!

Um bem-haja, Senhora Professora! E, perdoe-me a franqueza!

A franqueza de uma imensa amizade que não confunde as coisas, não as mistura, mas respeita-as!
De forma inconfundivelmente sincera! Pode crer!
Pena

Tuesday, November 21, 2006

Por vezes esqueço-me de mim próprio

Por vezes esqueço-me de mim próprio


Por vezes esqueço-me de mim próprio. Tenho frio e tenho calor. Visto camisolas sobre camisolas e dispo camisolas e camisolas. Nunca estou acomodado e governado para estar bem. Torna-se constrangedor. Torna-se incómodo. Possuo muitas pessoas na minha cabeça. Pessoas! Sim! Pessoas. Isso mesmo, seres humanos! Estão dentro do que eu sou. Estão dentro do que eu penso. Aquietadas. Sofredoras.
Gente de bem. Portadora de sonhos belos, deslocados, de bem e de mal com o mundo. Gente sonhadora. Nunca os esqueço. Preenchem-me totalmente. Habitam alojadas no meu pensamento. Respeito-as. Deixo-as divagar em silêncio pelo que eu sou, porque me enternecem. Passeiam de forma livre. Se não as possuísse guardadas em mim eu morreria.
O vazio da vida que existe em mim, na lembrança e na memória delas, não faria sentido nenhum se não as amasse. Reconfortam-me e eu reconforto-as com toda a ânsia de as auxiliar, de as ajudar. Como se precisassem de ajuda? O nada far-me-ia esquecer de mim.
Por que habitam em mim? Não sei. Desconheço. Talvez, se sintam confortáveis e seguras porque as trato convenientemente. Com carinho e amor. Sim! Desmedidos. Intensamente!
São parecidas comigo. Estão em mim construídas. Moram em mim, no meu cérebro, sempre repleto. Não faço a reciclagem do pensamento delas. Estão diluídas no tempo que percorro. Falam comigo num sussurro destemido por ser autêntico, verdadeiro, sincero. São inúmeras. São muitas. Grandes e pequenas. Convivem entre elas e em mim. Damos a mão reciprocamente porque existe entendimento entre nós, no sossego da dialéctica irreal do sonho.
São afáveis e correctas. Portam-se bem como as crianças. E as crianças têm um valor inqualificável.
Depositam-me o seu pensamento sem cessar. Pensam! Existem! Permanecem vivas porque estão alojadas. Mimadas, porque merecem. Lado a lado. Com ideias. Com a magia da poesia, do sonho, existentes nelas que não permitiram usurpar-lhes, porque lhes pertence. É sua propriedade e, isso, enaltece-lhes e dá-lhes força de viver. Viver no delírio de serem. E eu sinto-me bem. Estão bem alojadas e salvaguardadas. Nada poderá atacá-las ou destroçá-las. Fazem parte do que eu sou.
Sinto que me guardam, que me defendem, que dariam o mais precioso de si para me satisfazerem. São perfeitas num mundo imperfeito. Contudo, agradam-me e é com prazer que as deixo habitarem-me. Bem resguardadas e acomodadas. São como uma família, unida e indivisível em mim. Agarram-se a mim com fervor.
Acreditam que construir sonhos é bom, maravilhoso, único. E, podem contar comigo. Preservá-las-ei enquanto puder e tiver forças! Enquanto existir!
Por vezes esqueço-me de mim próprio e do que sou, num mundo controverso e, por vezes injusto, iníquo e agreste, que elas e eu fazemos por conquistar e minorar, quase sempre sem êxito, sendo recebidos de forma hostil e adversa como a maioria dos momentos o somos. E, eu não compreendo o porquê? Faltam explicar-me, o que é inexplicável. Só é sentido. Presente em mim.
Por vezes esqueço-me de mim próprio!

Saturday, November 18, 2006

O Que me vai cá por dentro

O Que me vai cá por dentro


É Sábado. Um dia da semana em que decidi que seria para escrever. Escrever o quê? Não sei. Só escrever!
Estou com uma enxaqueca tremenda, desnorteante mesmo. Os termos mais correctos são: uma dor de cabeça avassaladora! Escrever não se torna fácil, brincar um pouco, jogar e entreter-me ternamente com as palavras para lhes darem a dignidade e a eloquência que me merecem. Merecem mesmo, sempre. Atenção e encanto.
Assolado como me encontro tento despejar frases com um contexto lógico significativo que não vão suscitar interesse a ninguém. De certeza! Também não é o que pretendo! Que poderei dizer, então? Tenho que as soltar. Desprenderem-se. Agirem soltas, indo ao encontro do contexto que as fazem comunicar, expressar e fazer pensar! Essencialmente pensar! Nunca abdicarei de lhes prestar a atenção que merecem.
O meu filho convidou um amigo para, em conjunto, lutarem ferozmente, com a Playstation 2. Fazem uma algazarra desmedida, imbuídos numa brincadeira inofensiva para meu infortúnio e desgraça mental, colocando-me numa situação angustiante para me concentrar. Estas coisas deveriam ser proibidas ou então, a carnificina do jogo deveria ser silenciosa. Emitem risinhos de entusiasmo.
Sinto-me como se alguém me desse uma paulada na cabeça, com pontaria certeira para travar o pensamento e as ideias, mas insisto em fazer isto. Escrever é mesmo complicado, extremamente infrutífero, se não for ao desenrolar normal da pena, ao encontro das palavras, numa batalha fluida, leal, que consista em formar frases com sentido e coerência. Disputo umas e outras e digladio-me com elas deliciado, tentando construir significados que me parecem fugir, escorregar, rumo ao absurdo existencial e entranhando-se bem no seu seio. Afinal porquê?
Deveria estar sossegadinho a um canto, sem fazer nada, infeliz, à beira de um ataque de preguiça, de nervos, ou a dormir tranquilamente na minha cama, compensando noites brancas, repletas de vazio e de nada, difíceis de digerir pela ineficácia e contrariedade existentes, tornando-as num desperdício de tempo. Ocas de significado! Ocas de conteúdo!
No entanto, palavras é o que povoam mais a minha desgraçada cabeça e alguma coisa terá que sair, para me libertar das frases imaginárias que me consomem e que me desgastam constantemente os já poucos neurónios que se agitam em mim. As palavras. As imensas palavras coabitam comigo. Não se desprendem. Insistem que as ordene, anseiam por me serem úteis. Servirem para alguma coisa. Guiarem-me com precaução e dedicação. Fazerem parte de mim!
Tento manter a calma. A vida resume-se a muito pouco e eu devo aproveitar todos os seus instantes, sem protestar, nem me revelar insatisfeito com as pessoas que me rodeiam, nem com atitudes bruscas e imprevistas de mau humor que só contribuirão para causar desagrado e destroçar sentimentos puros e esperançados de uma conduta familiar e social aprazíveis, adequadas e, que primem, pela pacatez e pelo entendimento.
Decidi já há muito tempo que teria de fazer boas acções, como um dedicado jovem escuteiro dos meus tempos e comportar-me convenientemente. A ovelha ranhosa da família que sou, abandonar-me, eclipsar-se, e eu ser acessível. Ser capaz de estabelecer diálogos e conversas aparentando uma normalidade que me foge a cada instante e esforçar-me por os tornarem contentes e confiantes na relação que estabeleço com eles.
Prometi a mim mesmo que iria fazer isso, sem dúvida nenhuma! Assumi isso como um compromisso de honra ou um desafio imposto a mim próprio, sem hesitações e, plenamente convicto, de que me irei sair bem. Por certo, todos aplaudiriam até à exaustão! E, eu resolveria o meu problema de estar sempre indisposto e a despejar impropérios de forma inconveniente, fazendo-os sofrer injustamente. Eu sou assim!
Vou esforçar-me, podem crer! Tenha a absoluta certeza que todos os olhares confluiriam na minha direcção, inequivocamente, plenos de estupefacção e, também, de surpresa! Imensa estupefacção e surpresa! Prometo que vou esforçar-me com toda a energia que possuo em mim transformando a minha forma de ser e de agir e, quando penso nisto, sinto um sorriso ímpar estampar-se no meu rosto e no rosto de todos os que verdadeiramente me conhecem. A ovelha ranhosa que existe em mim vai esbater-se, desaparecer, por mais que me custe. Não! Não sou tão mau como me tomam ou querem conotar-me. Existo! Sou! Também vivo e sou sensível. Somente sou isto!
Entretanto, o crepúsculo abate-se, pausadamente, sobre a minha frágil silhueta e sobre a minha adorada cidade, vislumbrada através da janela do lugar onde estou.

Acendo um cigarro e aspiro uma longa baforada. Sei que não devia fazê-lo. Até nisto sou uma ovelha ranhosa: Sou o único fumador assumido da minha família! Sou constantemente censurado por esta atitude que não me larga. Sim! Ao menos admitam-me este vício que me reconforta, que me auxilia. Prejudica-te a saúde e a dos outros! Só faz mal! - Dizem, conscientes da minha conduta, algo díspar e subversiva, profundamente condenável aos seus olhos. Não! Ao menos permitam-me o cigarro e a falsa sensação de conforto e bem-estar que ele acarreta! Decido: Não vou deixar de fumar! Apesar de incriminado por este acto, também tenho todo o direito de vivê-lo descansadamente. Não cometi nenhum crime, pois, não? E, para mais, procuro ter cuidado nos lugares onde fumo para não incomodar ninguém. Sei que um dia irei morrer, se não for disto será de outra coisa, mas ninguém é eterno. Por isso deixem-me em paz e sossego, está bem? Tudo o resto, depois se verá.
Uma coisa é certa: Vou tentar mudar! Devo estar a ficar decrépito, melancólico, gasto, caduco mesmo, embora não o queira aceitar. Vou tentar mudar porque decidi. Apesar de não pactuar com o mal, ser pouco sociável, ter ideias e pensar, acreditem ou não: Vou mudar! Ao menos vou tentar! Quero que acreditem, porque é ponto assente! Irreversível! E, depois, não digam que não acreditam! Que é impossível! Serei um membro da família sincero, útil, dedicado e conformado!

Thursday, November 16, 2006

A Tareia Que Dei no Polícia

A Tareia Que Dei no Polícia


Vínhamos em grupo. Contentes! Felizes! Talvez, demasiado eufóricos!
Tudo aconteceu junto do jardim Diogo Cão, instalado perto da Escola Técnica, agora, Escola Secundária de S. Pedro, na minha cidade de Vila Real.
Cantávamos em coro, emanando e brotando um contentamento incontido, contagiante, próprio da idade. Perante a estátua do ilustre navegador português, um dos orgulhos desta cidade, vislumbramos, ao longe, um agente da autoridade. O Pires, o Nóbrega, o Carvalhinho de Matos Torres, entre outros e, que eram muitos, começaram a provocá-lo. Levantaram as vozes em sintonia, acriançadas, gritando na sua direcção: Solipa! Solipa! Solipa! Não me agradou aquele tratamento desajustado para com o polícia e destaquei-me do grupo, caminhando mais à frente, silencioso. Os gritos ecoaram de novo, agora com maior intensidade: Solipa! Solipa! E riam-se. Como me destaquei do grupo, eu que não emitira um único som durante todo o tempo, fui interpretado, pela distância pouco perceptiva a que ele nos observava, como regendo aquela orquestra. Eu que estivera calado, sumido em mim próprio, sempre. Não pactuava com esta conduta menos correcta. A cantilena era agora mais forte, mais intensa e, eu era supostamente o responsável pelos insultos que lhe eram dirigidos. Aos seus olhos, eu era o líder do grupo naquele chamamento indevido, insultuoso, embora não tivesse participado nele. Estava inocente! Completamente inocente! Tremia, por se pensar que eu regia aquele coro, conotado com a indelicadeza do acto, daquele chamamento indecoroso e provocador ao agente da autoridade. E isto acontecia por ter avançado um pouco mais, numa atitude defensiva e de não participação naquele procedimento com o qual não podia aceitar. Não constava da educação e da conduta que os meus pais me haviam ensinado.
Entretanto, o polícia dirigia-se para nós, carrancudo e lentamente, parecendo controlar os seus passos, milimetricamente. Eu, havia avançado um pouco e o grupo também. De súbito, junto da repartição onde o meu pai trabalhava, senti que me agarravam. Tratava-se de um agente policial à paisana. Passara no local por um acaso e assistira a tudo aquilo. Senti-me, frente a frente, com a lei e a autoridade, mas inocente, verdadeiramente inocente. O polícia insultado e maltratado verbalmente havia encurtado a sua distância de mim e dirigia-se na minha direcção pronto a actuar. Os seus passos eram largos e quase corria, instalada que fora em si a cólera e a urgência de apurar o meu comportamento para fazer justiça. Senti medo e revolta! Os meus amigos tinham-me abandonado e haviam-se escapulido como puderam sem deixar rasto. Eu encontrava-me só e abandonado, entregue a mim próprio e à minha capacidade de me justificar por actos indevidos, perante a autoridade e, ao mesmo tempo, sentindo que compreenderiam a minha reposição da verdade, perante o que se passara há poucos momentos ali. Ilusão, pura ilusão infantil! Sentia no meu íntimo indignação e, também sentia, que a fuga dos meus colegas, levara com eles a amizade que me unia a eles. Não consegui controlar-me. Atemorizado que estava com o avanço do polícia e o que ele me podia fazer, tentei libertar-me do agente à paisana. Aos gritos: - Largue-me! Largue-me! Não fui eu! - Reagi com impetuosidade e consegui soltar-me. Só que ele não estava pelos ajustes e prendeu-me de novo. A energia que me habitava no momento provocada pela injustiça que me estavam a fazer, fez-me sacudi-lo, novamente. Peguei no guarda-chuva que possuía e atingiu-o com ele várias vezes, ao mesmo tempo que invocava a minha inocência. Isto fê-lo largar-me. Corri, então, para o meu pai que se encontrava na repartição. Ficou perplexo, incrédulo e, perante a minha eloquência justificativa, todos acreditaram em mim. Revejo-os novamente pelo apreço e simpatia que lhes tenho guardado em mim; perante aquele aflitivo momento. Eram: o Senhor Melo, o Senhor Iledeberto, o Senhor Matos, o Senhor Borges que se estendeu até ao chefe do meu pai, o Senhor Engenheiro Simões, pelo consolo com que me trataram e depositaram em mim prontamente, acalmando-nos a todos e acreditando na posição que eu assumira. Apesar do insólito tumulto gerado mesmo em frente ao seu local de trabalho, este não os afectou, nem os ofuscou a tomarem de imediato o meu partido.
Os polícias pediram desculpa e eu fui para casa, onde mais tarde o meu pai conversou civilizadamente comigo e aceitou a minha atitude como justificada. Pelo canto do olho pude observar que emitia um sorriso de elogio, pela determinação com que agira com os polícias. O meu pai que eu adorava, excedera totalmente as minhas expectativas na admiração e na confiança com que me tratara, nesta situação delicada e comprometedora. Senti um imenso calor protector naquele acto e na minha pequenez, motivados pela tenra idade e pela insegurança daí resultante. Ele estava ao meu lado, como sempre estivera. Podia contar com ele, constatei com orgulho e satisfação!
Durante os dois meses que se seguiram não perdoei aos meus amigos o que eles me haviam feito. Depois, tudo foi reposto: a amizade e o companheirismo, por entre desculpas e abraços. Contudo, permaneceu sempre presente em mim este instante que vivi e que não esqueci, pela minha presença de espírito em repor a verdade e o saber perdoar, apesar de magoado e sofrido, pelas circunstâncias acontecidas comigo, injustamente.
Por outro lado, ficou em mim o respeito pelas forças da autoridade e um certo temor em relação a elas! Talvez seja um complexo, uma lembrança, um recalcamento. No entanto hoje, não posso deixar de esboçar um pequeno sorriso pela tareia que dei ao polícia, por falar verdade e ele não acreditar nem colaborar com ela.
A pureza e a verdade de uma criança devem sempre ser tidas em conta!
Pena, Março de 2005

Um Tiro de que fui o alvo

Um Tiro de que fui o alvo


Nisto um silvo furou o ar. Olhei para baixo e vi uma mancha de sangue mesmo abaixo do meu joelho do formato de uma bala. Fora atingido!
Eu brincava com o meu irmão nos descampados térreos, anexos ao bairro de habitação económica de Alves Roçadas, onde habitávamos com os meus pais.
Recordo-me perfeitamente que há quarenta anos atrás, a minha querida cidade de Vila Real que foi o meu berço e, perpetuou a minha existência, espraiava-se num imenso descampado aos meus olhos, abdicando do factor civilizacional, longe das suas intempéries desumanas e do falso torpor de progresso a que assisto nos dias de hoje. A minha cidade cresceu e transformou todos os actos e condutas, impondo uma outra forma de vida e uma outra maneira de abraçar o quotidiano das suas simpáticas pessoas. Sei que foi inevitável, mas a pacatez, a calma e o silêncio das suas ruas, a aguerrida forma de luta dos seus habitantes não se dissolveu, mas teve que adaptar-se à cidade que era a sua. Se nascesse nos dias de hoje, teria forçosamente uma infância totalmente diferente da de outrora. E, se vivo nesta encantadora cidade, é porque lhe tenho um imenso amor, a ela, e às suas ancestrais tradições que coabitam comigo orgulhosamente, ostentando uma força avassaladora, inesquecível, como num sonho muito belo e real. Adoro a minha cidade pelo que foi e pelo que aprendi com ela. Ela constitui um reduto escondido na minha memória e uma paixão que abraço afectuosamente quando falo com ela, quando falo dela. É a minha doce e terna cidade que admiro e em quem inspiro todos os meus sentimentos e emoções, pois, tenho a certeza absoluta que os preservará no maior segredo, lacrados e selados de suor e de sangue e misteriosamente conservados no seu seio mais íntimo e secreto. Quando olho para trás e vejo que vivi sempre aqui, entrincheirado no cheiro das suas inúmeras vielas e absorvendo a sua plena hospitalidade, a hospitalidade do seu povo, sinto raiar nos meus olhos uma alegria e um contentamento desmedidos que vale a pena contar aos meus filhos, aos meus netos e a todos os que agem com verdade e sinceridade, solidários e, prontos a entregar-se de braços abertos a esta gente trabalhadora, sofrida, mas sempre lutadora e honesta.
Como assumido transmontano e, que dizer da Serra do Marão, sobranceira à cidade? Para mim definem-na as palavras: Imponente! Magnificente! Protectora! Vigilante! Bela!
A Serra do Marão parece abraçar e defender com carinho e com a sua imensa beleza a cidade que tanto ama, que lhe dá razão para existir, sentir, tocar e apaixonadamente viver. Sem palavras!

Mas, regressemos à minha infância, à minha infância passada nesta cidade.
Lembro-me que eu e o meu irmão espreitávamos pela janela de casa, esperando ansiosamente que não houvesse vivalma para descermos à rua com o intuito de brincar. Nunca compreendi muito bem porque não alinhávamos com os rapazes dali, mas sinto e estou persuadido a afirmar que não gostávamos lá muito deles. Também não tínhamos nada contra, mas era assim que agíamos!
Ao aperceber-me que levara um tiro, ainda vislumbrei ao longe um rapaz alto, esguio, armado com uma arma de pressão de ar. - Andaria à caça em plena cidade? Mas eu não era nenhuma presa animal? - Pensei para comigo, confuso e com dores no lugar onde fora surpreendido daquela maneira. - Assim como me atingiu no joelho, poderia ter-me acertado num olho ou até na cabeça! – Pensei, ainda incrédulo pela situação algo invulgar de que fora alvo. Quando olhei de novo para o sítio onde o rapaz se encontrava ainda há pouco, pois, parece-me que o estou a ver, que estou a ver a sua silhueta não identificada, constatei que tinha desaparecido. Ainda hoje, desconheço essa figura que me alvejara e por pouco não havia terminado com a minha existência. Eu, que não fazia mal nem a uma mosca e que tentava sempre agir com sobriedade e bom senso, a muito custo diga-se em verdade, numa atitude esforçada para o conseguir! Arranjei sangue frio, não sei como, para rastejar até casa. Quando a minha mãe se apercebeu do meu mal, entrou em pânico. Não pediu explicações e não fez nada, aterrada que se encontrava. Pensou baixo: - Tudo acontece a este rapaz! Um tiro, não lembraria a ninguém! Um tiro, parece de loucos! Que irá ser no futuro este homenzinho!
Aconchegada na sua inacção e nos seus pensamentos esperou pelo meu pai e pela serenidade que este demonstrava sempre que me acontecia alguma coisa. Lá pensaria para ele que éramos jovens traquinas, em idade para o sermos. O meu pai compreendia as nossas diabruras e, quando chegou, não se preocupou com o acontecido para nossa surpresa. Um tiro é um tiro! Mas ele reagiu bem e levou-me, imbuído da maior calma, à casa de Saúde, mesmo ao pé de nossa casa.
O médico que estava de serviço examinou-me, cuidadosamente. De pronto fez o diagnóstico. Levaria uma injecção anti-tétano como precaução e a bala conservar-se-ia no seu lugar. Diagnosticou mais, que não seria operado e que o projéctil acabaria por se desfazer no meu joelho com o passar do tempo. Suspirei de alívio e o meu pai penso que também, embora não o demonstrasse.
No dia seguinte, levei a injecção recomendada, das mais dolorosas que até agora me foram administradas e, fiquei pronto para continuar a assustar os meus pais, com o meu permanente comportamento irreverente, próprio da infância turbulenta que eu vivia e que fazia questão de se instalar em mim sem hesitação ou dúvida porque eu era assim. Nascera já assim! Não havia solução para o meu caso, nem remédios que me curassem!
Por coincidência ou ironia do destino, mais tarde sopraram-me ao ouvido que o meu médico salvador era, nem mais nem menos, que o pai do atirador. O atirador furtivo desta cidade, agindo em plena cidade, nunca o vi, mas vozes afirmaram que se tratava de um adolescente e, um adolescente enfrenta o perigo, enfrenta situações inesperadas, vive problemas de identificação com alguém ou consigo próprio, em resumo: faz asneiras e comete erros! Eu compreendia os erros dos outros que eram os meus erros. Nunca lhe levei a mal o seu acto. Compreendi-o! Respeitei-o porque se calhar não morri ou não fiquei atrofiado de algum mal.
Por outro lado, que contas prestaria à sociedade aquele progenitor, ilustre figura da cidade de Vila Real, pelo acto violento, grave e impensado do seu filho e educando? E a sua educação estaria a ser correcta? Um sem número de questões se levantaria por certo, que serviriam somente para o atormentar e desacreditar. E isso, eu não desejava a ninguém! Eu era dotado de escrúpulos morais suficientes para entender o que um escândalo deste género poderia desencadear. Nunca soube se este segredo, dito em surdina, correspondia à verdade, mas também não fiz nada para o clarear ou desvendar.
Não sei se agora, tão distante daquele momento, para mim inquietante e insólito, o chumbo ainda se encontra instalado abaixo do meu joelho, mas permanece a lembrança desta situação que sinto vivida por mim e pela sua controversa expressão de incredulidade, acontecida naquele instante, na plena cidade de Vila Real e que não se dissipou da minha memória. Até um tiro levei! É o que eu designo como uma infância verdadeiramente atribulada de que não tinha culpa! Nenhuma culpa, apesar de só fazer asneiras que o meu adorável pai compreendia e resolvia de imediato, com uma calma ímpar e sempre sorrindo de uma forma cúmplice, sincera e amiga! Nunca entendi o porquê, mas também nunca pensei nisso. O seu sorriso salvador e bem-disposto bastava para eu o adorar! E adorar mesmo! Como reagiria um pai, vendo um filho atingido por um tiro? Desculpem, mas só o meu pai! O meu terno e adorável pai!
Pena, Fevereiro de 2005

Wednesday, November 15, 2006

O atropelamento inevitável de que fui alvo

O atropelamento inevitável de que fui alvo


Na minha turbulenta infância tudo corria mal para mim. Fui atropelado! Atropelado por um respeitador cidadão que conduzia muito bem. Não estou a brincar conduzia mesmo muito bem! Tudo ocorreu quando o crepúsculo se punha já no horizonte. Ocorreu, mesmo defronte da enorme janela de casa da minha avó, na Avenida Marginal que serpenteava e dava cor à cidade de Vila Real. Dali divisava-se o rio lá ao fundo, as suas margens e a ponte de ferro. Aquela janela tinha servido para nas tardes sossegadas de Verão contarmos os carros que passavam e anotar as suas marcas e as suas matrículas. Contávamo-los marcando um traço quando passavam. Podíamos no final do dia emitir os seus livretes de propriedade fingidos se tais nos fossem pedidos, como numa verdadeira repartição para o efeito. Não sei sinceramente se estaríamos conotados também com os disciplinados e sempre cumpridores cantoneiros existentes no meu tempo, na sua azáfama diária que era aquela, ou se com bons polícias esperando descortinar algum automóvel furtado. Penso que éramos um pouco de todos eles. Verdadeiramente só sei que era ali que passávamos grande parte do nosso tempo, ainda por cima com a aprovação sincera da minha avó Maria que se embrenhava nas malhas, na lã ou nos novelos. Talvez pensasse que assim lhe daríamos alguma tranquilidade e paz de espírito. Olhava-nos demoradamente por cima dos óculos, sorria e aprovava. Penso que gostava de ver-nos por perto, sobre a sua alçada protectora e, inequivocamente, atenta à nossa traquinice e inquieta conduta. Por vezes desconfiava e inquiria-se se a nossa postura não esconderia alguma doença digna de cuidados médicos. Mas, não! Estávamos bem de saúde, com uma saúde de ferro que não lhe passava despercebida e a alegrava imenso. - Afinal são normais como as outras crianças. - Pensava, num misto de desconfiança e de boa disposição.


As preocupações e desconfianças da minha avó eram bem justificadas. Ela tinha razão nas suas dúvidas quanto ao nosso comportamento.
Foi dali que a minha avó presenciou o meu atropelamento. Fôra de todo inevitável! Não podíamos estar quietos.
Nesse dia das nossas rotineiras e normais brincadeiras, em pleno asfalto do passeio da Avenida Marginal, aqui e ali adornado com canteiros de onde despontavam formosas árvores, jogávamos ao bate e fica. Julgo que ainda hoje se chama assim. De súbito, perdi a calma, eu que a tinha até em demasia e atravessei a estrada a correr sem antes observar se o podia fazer. Foi o suficiente! Um automóvel que circulava de forma atenta e prudente e passava ali, pum! Acertou-me em cheio. Voei uns dez metros pelo ar e aterrei no alcatrão, sem contemplações. Toda a gente acorreu aflita e aos gritos. Todos menos eu! Levantei-me e vislumbrei a minha avó reclamando uma ambulância e acenando uns gestos esquisitos que me pareceram de alguém totalmente em pânico, desorientado. Não é caso para tanto! Afinal não morri! Estou vivo e aqui! Que será que ela estará a imaginar?- pensei, para comigo com surpresa e admiração. Ela é que não conseguia parar de gesticular freneticamente apelando e ordenando a todos por auxílio imediato. Quando me levaram para casa da minha avó pelo meu pé telefonaram, incomodaram o meu pai, entretido a jogar dominó no saudoso café Excelsior, presentemente inexistente não consigo entender o porquê, onde já o meu avô marcara assídua presença.
Passados longos instantes, apareceu embebido na sua calma e boa disposição para me levar ao hospital. O condutor do automóvel que ia para Aveiro é que estava inconsolável, honesto e humano que era e isento de culpa. Meu pai compreendeu de imediato a sua preocupação e calmamente, como era seu hábito, disse-lhe, com clareza e bons modos que prosseguisse a sua viagem, pois, a culpabilidade do senhor era nula e ele trataria do assunto. A muito custo, meu pai lá conseguiu que ele partisse. O prezado senhor fez questão em deixar um cartão com as suas referências pessoais e inconsolável despediu-se e prosseguiu viagem. Meu pai, que era um bom pai acercou-se de mim, pegou-me ao colo, meteu-me no carro e levou-me para o hospital, sempre sorrindo e animando-me com convicção que felizmente, não acontecera nada de grave. Meu pai compreendia-me totalmente! Não sei se queria regressar ao dominó, mas penso que não.
No hospital fui observado, tendo os médicos diagnosticado que eu não sofrera traumatismos ou males maiores necessitando apenas de algum repouso e uma semana de restabelecimento na cama. Era o que eu queria ouvir! Uma semana sem ir à escola! Quando entrei em casa com algumas pisaduras visíveis no corpo, a minha mãe olhou-me surpreendida e perplexa de desassossego. Contamos-lhe o que sucedera e acalmamo-la. Meu pai deitou-me na cama e aí permaneci dolorido e esperançado de que uma semana de molho curaria todos os males, mas também que não aturaria os professores, nem as suas palavras de repreensão constante durante todo aquele tempo estipulado. Este facto alegrou-me imenso.
No dia seguinte, quando acordei doía-me tudo. Permaneci deitado o dia todo, blasfemando incongruências sobre o meu estado e constatando que afinal não era lá muito agradável permanecer deitado ali durante aquele período de tempo todo. O dia lá acabou por passar e no dia seguinte comecei a usufruir de alguma alegria no meu estatuto de doente. Sim, eu tinha que ter algumas regalias, senão seria preferível ir à escola ou então fazer algumas coisas indevidas que me iam no sangue e na alma, sem o poder evitar.
Nisto, bateram à porta. Era o Carvalhinho de Matos Torres. Eu tratava-o assim. Tratava-o sempre assim, pelo seu nome todo. Trazia chocolates, doces, pastilhas elásticas e tudo o mais que comprara para me presentear.
O Carvalhinho de Matos Torres seria a minha vítima! Escolhi-o porque estava doente e apesar das melhoras decidi que estava muito doente. Se o que ele me trazia era porque estava muito enfermo, então, o meu restabelecimento duraria não uma semana, mas duas. Todos os dias me levava doces, bolos e chocolates e me perguntava se estava melhor, ao que eu respondia que ainda sofria muito e que aquilo tudo que ele me levava ajudava bastante na minha convalescença. O rapaz ficava preocupado e acorria com presentes a toda a hora. Foi, então que a minha mãe detectou a farsa e o meu desplante face ao Carvalhinho de Matos Torres. Proibiu-lhe a entrada em nossa casa com determinação e, concluída que fôra uma semana, enxotou-me em direcção à escola. Tinha terminado a minha doença! Tinha terminado o meu sofrimento! Sempre admirado e, incompreendido pela atitude e pelo gesto de minha mãe, pedi desculpa ao meu amigo e jurei nunca mais brincar com as doenças e portar-me bem em relação ao estado de saúde das pessoas. Tinha aprendido a lição na sua plenitude!

Monday, November 13, 2006

A Paixão Infantil Circense

A Paixão Infantil Circense

Na cave da casa da minha avó Maria aconteciam as coisas mais surpreendentes, mais insólitas, provocadas pela nossa fértil imaginação e intensa criatividade infantis. Era eu, o meu irmão, o Alfredinho e, às vezes; os meus primos: o Raul e o Augusto. Como não nadávamos propriamente em dinheiro, arquitectávamos os mais ardilosos estratagemas para o obter. De tempos a tempos encenávamos, empenhadamente, um espectáculo de circo. Sim, porque nós também tínhamos as nossas necessidades económicas e os nossos compromissos monetários, ora, com as guloseimas, ora, com as pastilhas elásticas, ora, com infindáveis passeios, (por vezes arriscados e perigosos, como eram, por exemplo, a ida a pé através dos carris do caminho de ferro à quinta do Alfredinho Bem - Posto, em Alvações do Corgo, colocando o ouvido encostado à linha para pressentir se vinha algum comboio ou, ainda, atravessando uma ponte, onde este passava, suspensos pelos braços), com o intuito de fazermos um piquenique. Ora, isso, também tinha os seus custos!


Tínhamos nessas alturas de comprar o farnel e isso implicava estarmos munidos de algum dinheiro. A minha avó Maria e mesmo a minha mãe nunca souberam destas investidas à quinta do Alfredinho, quero querer que nem a mãe deste. Quase ninguém conhecia as nossas peripécias, por vezes, arriscadas e plenas de perigosidade.
Mas, regressemos novamente ao circo.
Começávamos por fazer a publicidade, anunciando o espectáculo e, era eu, que geralmente, fazia os cartazes que colocávamos na nossa rua ou distribuíamos às pessoas mais conhecidas. O importante era informar aqueles que nunca tinham assistido porque se o conhecessem recusar-se-iam logo a presenciá-lo, por razões que oportunamente se perceberá. De seguida, atribuíamos os encargos e os papéis que iríamos desempenhar. Todos éramos os palhaços. Nunca escrevíamos o guião das piadas por preguiça e, isso, causava-nos dissabores, pelas razões óbvias: Ninguém se ria! Isso também não era o importante, como nas outras prestações também não o era, pois, o que era importante era o dinheiro arranjado, além de que os assistentes, neste caso, as assistentes, eram compreensivas e nunca exigiram o reembolso do bilhete. Havia também o trapezista ou os trapezistas, mas nunca conseguíamos esticar bem o arame, pelo que esta cena tornava-se algo confusa e aldrabada, transformando-se numa prova de equilíbrio com o arame colocado no chão. Não tínhamos culpa! O espaço era diminuto e o arame por vezes era curto e não chegava de um lado ao outro e, se chegasse, duvido se algum de nós não partiria a cabeça. E isso, de certeza que ninguém queria, ainda por cima, as mães e as conhecidas de todas nós que assistiam, sentadas confortavelmente nas escadas, algo poeirentas da cave, conversando umas com as outras todo o tempo, alheadas do que se passava, não apreciariam nada. Perguntavam a todo o momento se faltava muito para acabar, pois, não prestavam atenção a nada. Por falar em assistentes, elas resumiam-se à minha avó, à minha mãe, à D. Gertrudes, à vizinha do lado, a D. Maria José e à Arminda, uma espécie de governanta da D. Maria José. Como se poderá perceber facilmente tinham que, forçosamente, ser compreensivas, zeladoras do nosso bem-estar e, agora, percebe-se porque nunca pediram o reembolso dos bilhetes. Isso era muito animador e estimulante para nós. Era um importante factor a ter em conta!
O espectáculo decorria dentro da normalidade possível, até que chegou o momento final, o momento crucial, tão ansiado por todos os que estavam naquela cave. Encostei- me naturalmente a uma das paredes da cave, imóvel e fechei os olhos. Era a cena das facas! Todos repararam que o meu irmão tinha na sua posse quatro facas, retiradas às escondidas da cozinha de minha avó e, agora, tornadas evidentes, reluzindo bem afiadas e, que ele, me iria atirar, rezando a Deus para não me acertar. Todos compreenderam, sem fazer esforço! As senhoras zeladoras do nosso bem-estar pararam a conversa e gritando: - Parem!, Parem! Ainda matam o rapaz! Isso não!, invadiram a pista, perante o desgosto de todos nós. Por sua ordem o circo terminou ali, naquele instante. As facas foram retiradas ao meu irmão, sem ele compreender muito bem o porquê, pois, sempre gostara muito de mim e era muito meu amigo, amigo mesmo do peito, protector e tudo o mais, fazendo regressar as pessoas presentes à normalidade e ao sossego. Apesar da emoção sentida e das controversas situações, o importante é que tínhamos conseguido o dinheiro para os nossos gastos!
Toda a gente suspirou de alívio! Esteve prestes a acontecer um homicídio, sem culpa dos artistas daquele insólito espectáculo circense, mas valioso às nossas bolsas desfalcadas e desprovidas do necessário ao nosso sustento infantil. Sim! Também tínhamos as nossas necessidades, imprescindíveis e inadiáveis!
Pena, Janeiro 2005

A minha Tia Judite e o nosso Sono profundo

A minha Tia Judite e o nosso Sono profundo



Já em casa de meus pais, relembro-me de um episódio com a minha Tia Judite. Eu e o meu irmão, João, adorávamos dormir. Dormir até quando nos deixassem. Vivíamos num apartamento, junto do Mercado Municipal de Vila Real. Como era habitual, em dias de feira, a Tia Judite deslocava-se até lá, sempre escorreita e desejosa de lá comparecer, ao mesmo tempo, que aproveitava para nos visitar. Ora, um dia em que a feira acontecia subiu a escadaria de casa de meus pais e bateu à sua porta com uma energia desmedida, que não passara despercebida aos vizinhos, como sempre o fazia, e chamando muito alto por nós. Todos ouviram, só nós é que não. A sua voz ecoou por todo o prédio e aquela habitação até quase tremeu, dado o impacto provocado pelo seu chamamento e pelo barulho manifestado. - Manel, Joãozinho, sou eu. Abram a porta! - gritou, com todo o seu ímpeto posto na voz. Bateu uma, duas, três vezes. Chamou uma, duas, três vezes e o seu grito fez-se ouvir por todos os moradores que àquela hora estavam nas suas casas. Acorreram todos, aflitos. A Tia Judite virou-se para eles e disse, trémula:- Só podem estar mortos lá dentro! Estão mortos, de certeza!
Toda aquela gente entrou em pânico, pensando em como abrir aquela porta e como estaríamos nós.
Em voz de comando, a minha Tia Judite ordenou:- Rebentem a porta! Estão mortos! Estão mortos, de certeza!
Imediatamente, se juntaram mais pessoas e a porta foi mesmo arrombada e toda aquela gente, conhecida e desconhecida, entrou pelo nosso quarto dentro. Acordamos de imediato, surpresos e amedrontados. Nunca tínhamos visto tanta gente no nosso quarto. Notei-lhes na expressão um aspecto e um semblante de desilusão, como que dizendo: -Afinal estão vivos! Estão vivos e bem vivos! Que chatice!
De imediato, toda aquela multidão debandou inconsolável, perante a falta de acção no desfecho desta situação e a minha Tia Judite nem nos recriminou e só exclamava, emotiva:- Era o sono da morte! Era o sono da morte!
E, foi assim, que entrou em nossa casa!
Pena, Janeiro 2005

Saturday, November 11, 2006

O meu Irmão João



Que vou eu dizer, do meu brilhante e afável irmão, que admiro? À noite dá-me para estas coisas! Que hei-de fazer? Só lhe peço que me desculpe. Que desculpe a simplicidade e a forma tosca como escrevo, pois, é capaz de se indignar ou mandar-me deitar e descansar, que é isso que eu devo precisar. Ou não? É capaz de pensar que não durmo há dias seguidos, só para fazer estas coisas. Sinceramente não sei como vai reagir porque sempre tento não perturbar ou incomodar as pessoas que me tocam muito. Mesmo muito! E ele é um deles. A sua presença em mim corre-me no meu sangue, afecta-me a mente e emociona-me oespírito. É o meu único irmão rapaz, filho primogénito dos meus adoráveis pais e mereço-lhe respeito, compreensão e até ternura. Isso mesmo, ternura. É a palavra adequada. O termo exacto, que acredito que ele é capaz de gostar e preservar preso a si e a tudo o que sente. A tudo o que lhe vai lá dentro. Ele tem isso e muitas coisas mais. Tem amor e pensa como eu. É bom pensar. O meu irmão tem o mesmo nome do meu avô. Sim! E, ambos, gostaram sempre decrianças. Saltavam-lhe para o colo! Conquistavam-nas facilmente com a sua simpatia e encanto. Rodeavam-se delas, monte delas e, com jeito e fascínio, amavam-nas profundamente. Não abdicavam da sua seriedade, mas elas entendiam que alguma coisa de muito especial constituía o seu coração. Só isso bastará para os definir, para os entender, para os admirar aos dois em simultâneo, pela mútua parecença. Eram semelhantes. Sem elas à sua volta, enlaçadas de encontro a si, sentiam-se vazios, inexistententes. Anulavam-se. O meu irmão perpetuou o que o meu avô deixou inacabado. Eu amava-o. Admirava-o. E, é por isso que nutro amor e muita simpatia pelo meu irmão. Ele já sabe disso, vai-te deitar! Não! Não sei se sabe. É uma hora da manhã, depois de um dia extenuante e não tenho ponta de sono. Que ele me perdoe, mas necessito de fazer estas coisas, que inexplicavelmente, me assolam, me anestesiam e consolidam a existência e as ideias, que fazem parte de mim, tomando de mim conta e de tudo o que me rodeia. Estacionam-me as ideias, convertendo-as em mais puras. E, o João é algo de especial, algo de importante descobrir, interpretar e, que se tem que desvendar, seguindo as suas preciosas indicações nele inscritas, mas ocultas, inacessíveis, por serem preciosas, só nossas. E não é fácil! Tem que se seguir rigorosamente todo o seu percurso. Seguir um trajecto, lado a lado. Na comunhão unida e sentida de um companheirismo vivo e bem real, indissolúvel, manifesto. Enigma e tesouro! Por que não hei-de procurar definir estas pessoas, que me serviram de exemplo e nunca entendi lá muito bem? Talvez, porque nunca fiz um esforço para entender. Não! Calma. Para mim, as coisas, as pessoas, respiram, choram, amam porque existem. E, eu não posso desistir facilmente de procurar entender. São um livro por abrir. Um sonho que só a eles pertence. Uma forma de vida intensa e leal, mas explicável ao seu jeito, sem interferências de quem quer que seja ou necessitarem de ser bem clarificadas, esclarecidas, definidas. Não! Não sei ler o pensamento das pessoas! Não sei ler o seu interior ou o que lhes vai lá por dentro. Só sei entender que devem ser pensamentos bons. Bons, sim! Bons porque cativam. Amam. Dão tudo o que têm. Tudo o que representa uma vida. Um carácter. Uma forma de ser. De agir. De proceder. Enfim, uma forma de estar pessoal, intransmissível. O meu avô era admirável e inqualificável nas atitudes e no trato quando lidava com todos os que existiam em seu redor. Preocupava-se! Amava-os sem rir, pois, sorria. E eu amava-o por isso. Incomodava-se com o bem-estar de todos, com a sua felicidade, com a sua alegria, com a sua tristeza, com a miséria e o choro dos que sofrem. Não!Não dizia isto. Não precisava. Bastava espreitar para o seu interior que era terno, afável e só dele. Bastava encontrar, chocar com o seu belo olhar cintilante que parecia brilhar, bem visível na face e que descortinava a sua forma de estar e sentir. O meu irmão é isto. É como consigo vê-lo. É exactamente semelhante, igual e não se torna imperioso que ele o explique. Está explicado por si. Um carácter assumidamente metido numa capa enigmática, que nunca compreendi, mas que deve ser muito boa, porque a esconde. Não se publica um carácter. Não se publicam os sentimentos. Não se publica o amor. Não se publicam as emoções. Estão lá dentro. Dentro de nós. Só inerentes a eles. Tudo o que sai de lá de dentro é valioso. É bom indiscutivelmente. E, pronto, está bem visível, como digo, aos que se preocupam em entendê-los. Fazer um esforço por entendê-los. Exigem esforço e um arregalar de olhos porque mexe também connosco. Merece um franzir do sobrolho. Um esfregar das ideias e um esforço do pensamento. Coisa que raramente ninguém no seu perfeito juízo faz e eu faço! Faço-o e hei-de fazê-lo sempre. Tudo o que ignoro, suscita-me interesse. Suscita-me a atenção e o buscar e rebuscar de um discernimento sensato para me esclarecer, o que é impossível de esclarecer. Mas, ao menos, tento! O fulgor do acto de tentar, penso que justifica a serenidade de compreender o que não se explica,não se compreende. Deve ser uma coisa admirável. E, é tudo! Os sonhos também não se explicam. E ele sonha de certeza. O meu irmão sonha. O que sonha é dele, muito dele. E não me vem contar porque sonha. Eu também não conto os meus sonhos a ninguém. São nossos! Pertencem-nos! Só a nós dizem inteiro respeito na privacidade de sermos, de construirmos, de habitarmos os nossos bons sonhos. E basta! O que ninguém nos pode tirar é a preocupaçãode nos interessarmos por alguém que amamos. E, o meu irmão, eu amo, porque me interesso por ele e pelos seus sonhos. Porque nunca o compreendi. Mas, amo. Sei só isso. E isso chega porque me deve amar também e eu acredito plenamente no amor! De forma convicta e recíproca. Enche-me de orgulho e satisfação. Inequivocamente e indubitavelmente! Acredito, sinceramente nos mistérios da vida que tento construir e ele faz parte do que construo. A razão? O motivo? Porque o nosso sangue corre nas mesmas veias, percorrendo-as de igual forma. Identificam-se! Misturam-se sem se discriminarem. E é isso que tem valor. Um valor intenso. Enorme. Quando abro o livro da vida, o meu irmão está presente nele. Presente com sobriedade, carácter e bom-senso. Ajuda-me a imitá-lo. E é isso que me enternece. É isso que me motiva. É isso que me leva a consultá-lo sofregamente. Sem perder tempo. A compreendê-lo. Ele está lado a lado comigo, sei-o e vale a pena. O que contem? Não sei, mas é bom e não perco tempo. Que mais haverá nele? Talvez, ele um dia me conte. Para já o que vejo é só isto. A oportunidade virá depois se ele decidir e quiser. É com ele! É dele e, só sei, que é bom, tenho a certeza disso. São duas horas da manhã. Vou-me deitar, mas deixo o lápis na mesa e o caderno onde rabisco aberto. Como aberta fica a página do livro da vida que falta escrever sobre a descoberta do meu doce irmão que ficou encravada por ser bela. Não avança mais. Uma vida que tento imitar, mas de forma imperfeita e eu sei e ele sabe. Ele só sabe ser ele. E eu só sei ser eu. Um bem-haja, irmão! Sonha! Continua a sonhar! Sonhar faz bem. E, se eu não entendo por vezes o teu sonho, desculpa. Talvez, um dia consiga escrever a história e entendê-la fielmente e na íntegra. Sem esquecer pormenores. É uma promessa que fica. Talvez, um dia a escreva, exactamente onde agora ela ficou! Não sei se vais gostar disto. Se calhar tinha feito melhor em ter ido dormir mesmo sem sono, porque as pessoas normais dormem e têm sono quando a noite surge. Estabeleceu-se que à noite se dorme. Quem estabeleceu isso não sei, não faço a mínima ideia, mas respeito-a porque deve precisar de dormir e dormir de noite. Fica aqui a tentativa de entender, o que nunca entendi verdadeiramente, ao longo da minha vida. Só sei que gostava de ser como tu! Isso sei perfeitamente! E, isso chega!

Poliedro. Novembro de 2006

Wednesday, November 08, 2006

Fumando um cigarro e depois outro

Fumando um cigarro e depois outro.





Fumando um cigarro e depois outro...
Assim te encontrei em Setembro, numa pequena sala de trabalho. Olhamo-nos e medimo-nos desconfiados, temendo que um invadisse o território do outro. Não te consegui ler os pensamentos e achei-te estranho, confesso. Provavelmente raciocinaste de forma idêntica, o meu visual meio freak, delineado com um corte de cabelo estranho, não se apresentava de fácil digestão.
E tu fumavas mais um cigarro.
Com um projecto profissional comum, ultrapassamos barreiras e convergimos numa cumplicidade para a ventura e para a desgraça… para o bem e para o mal… e fomos inteligentes nessa atitude; rapidamente nos descobrimos e evitamos o confronto da enorme teimosia de ambos, contornamos diplomaticamente divergências, rejeitamos a competição entre nós e fomo-nos conquistando numa camaradagem construída no empenho, na perseverança, numa característica que nos une – dar o nosso melhor.
Passei a ter orgulho em partilhar contigo a história, a filosofia e a sociologia. Os nossos apontamentos e notas tomadas em escrita corrida, circulavam em circuito, mas fechado. Construímos uma estratégia comum com sucesso, completamente imbatível por parte daqueles que tentavam competir connosco. Nunca me senti defraudada, ou desapontada nas expectativas que fui processando, antes pelo contrário, descobri alguém, inteligente, muito humano, honesto, verdadeiro, com aquela ingenuidade que apenas aquelas pessoas autênticas são capazes de possuir.


Entramos pela porta da frente numa escalada de estudo e trabalho, pontilhado às vezes por alguma ansiedade da minha parte.
E tu e a tua amada tinham uma pachorra para me aturar!!!
Mas continuavas a fumar!!!
Persistias em me caracterizar com tendência de líder, confundindo liderança, com a minha suprema falta de paciência em perder tempo. Lembras-te? Essa falta de paciência que se clonava amargamente, sempre que batia de frente com a incompetência, o oportunismo ou a irresponsabilidade de alguns. Defeito meu que por vezes me corrói de arrependimento posterior, pois torna-me um pouco insensível perante as fragilidades humanas. Defeito que soubeste sempre contornar e amenizar, devolvendo-me uma certa tranquilidade, imprescindível para concretizar o sucesso pretendido.
As reviravoltas da existência, trouxe-nos uma separação, felizmente temporária. Nesse intervalo matemático, expressava a minha interrogação sobre a tua imobilidade, na tua inércia de permanecer no sítio errado. Errado para mim, ainda hoje odeio aquelas curvas que percorria todas as manhãs, completamente ensonada e nauseada.
Finalmente prevaleceu a racionalidade em ti, e trilhamos novamente o mesmo caminho, ou se não é o mesmo, caminhamos em paralelo. Definitivamente paralelo, ou … já nem sei! Ás tantas teremos que novamente construir novo pacto de sucesso, quem sabe? É para aí que tudo aponta.
Neste novo trilho, foi passando o tempo, com os nossos companheiros, estranhando o discurso de empatia que exercitamos no dia a dia, mesmo quando discordamos de forma aguerrida, desconhecendo, até há bem pouco tempo, os antecedentes que solidificam a nossa camaradagem, que caminha de mãos dadas quase há duas décadas.
Ideias contrárias, conceitos polémicos, não resistem ao nosso olhar crítico e mordaz, diluindo-se naturalmente num sorriso mútuo, doce, bem- humorado, espelhando aquilo que há de belo numa verdadeira amizade.
Hoje ainda fumas!
A. Quelhas

Monday, November 06, 2006

Um professor e a pedagogia do amor

Um professor e a pedagogia do amor



Sempre que entrei naquela escola, nunca fiquei surpreendido. Era tudo feito de crianças aos meus olhos. Com ambições. Com desejos. Verdadeiros heróis da vida! Brincam! Aprendem e dão tudo o que têm para aprender. Vestem não para agradar, mas o que lhes dão para vestir. São ternos à sua maneira. Puros! Com sentimentos transparentes que lhes vêm com sinceridade cá de dentro. Também choram quando é preciso chorar. O seu riso e a sua alegria vivem-nos também. Caminham com desembaraço e destreza carregados com pesadas mochilas que lhes parecem falar. São o veículo, o transporte, a bagagem, do conhecimento e do saber que elas contêm. E, eles reconhecem isso, embora os vergue um pouco. Mas, lá vão! Será que vale a pena? São de vários tamanhos. Uns pequenos, outros grandes. Uns são corpulentos, outros franzinos. Uns mais conversadores, outros mais introspectivos. Uns mais amados, outros sem amor. Uns mais arranjados, outros mais humildes. Mas, todos, compenetrados nos seus papéis. E, lá vão! Todos! Irmanados nos mesmos propósitos e intenções, que lhes ensinaram. O dia começa para eles bem cedo. Mal surge o raiar da madrugada, ei-los a caminho, repletos de hesitações por viverem um sonho inacabado que se prolongaria um pouco mais. Olhos piscos, mal despertos. Lavaram a cara ou esqueceram-se de a lavar sem culpa, desapontados e tristes por não haver água. A responsabilidade de todos eles torna-se bem visível e perceptível. Chegam. Em grupo! Sozinhos! Acompanhados! Aturam conselhos atrás de conselhos. Aturam regras atrás de regras. Sorriem porque têm que sorrir. Acatam tudo porque têm que acatar. Sofrem, por vezes, também. Desesperam sem contestarem porque o preço do futuro é assim e tem que passar por ali! Por isso suportam tudo. Dão de si tudo o que têm para dar e não têm para dar. São sinceros. Verdadeiros. Sem maldade que se revele ascorosamente. Vivem na ânsia de ser alguém. A vida exigiu-lhes tudo. A uns, a atenção e o deleite. A outros, uma vida sofrida e amarga. Padecida. Assistem a tudo com a mesma cara de encantar, suja ou lavada. Compostos ou descompostos. Felizes ou infelizes. Sempre todos, lado a lado. Entram na sala. O Educador quer, exige silêncio. Exige compostura. Ele é o dono da aula. O dono do saber, da eloquência. Fala e ninguém ouve. Quer escutar as moscas. É o Presidente da República do saber e da aula! Há que obedecer. Ninguém fala. Não é permitido falar. Aos seus alunos apetece-lhes passar pelas brasas. Abrem a boca. Sussurram baixinho uns com os outros. Não escuta. Não permite a participação. A amizade e a compreensão por aquelas faces encantadoras não as vê. Não consegue ver. A Pedagogia do Amor é inexistente. A empatia na aprendizagem esqueceu-se dela não se sabe onde. A vocação esvaiu-se. Não existe. Se, por qualquer razão vacilam são apontados com desordeiros, como criminosos. Quem dignar-se contrariar a sua autoridade vai para a rua. Será expulso da sala de aula por insubordinação e desinteresse. Por mau comportamento e uma atitude menos correcta. Qualquer pretexto chega. Olham uns para os outros indignados, mas não há nada a fazer. Ele é quem detém o poder. É quem manda ali. E, não há nada a fazer! Infringiram não se sabe o quê, têm que ser duramente punidos. Aceitam porque não têm outro remédio! - É o preço do futuro. – Pensam, como lhes foi dito em casa. E, concordam, sem esboçar o mínimo gesto. Sem esboçar a mínima contestação. Sem terem a mínima ideia ou oportunidade para contestarem porque são crianças. Não têm opinião. Ensinaram-lhes que deviam obedecer aos adultos. Obedecer aos grandes. Respeitar as suas decisões inflexíveis e intransigentes. É raro terem o direito às suas explicações. Às suas justificações. Vacilaram. E, é tudo! – É o custo do futuro! – Pensam, sem contestar. Sem serem ouvidos. Sem o direito às suas explicações. Aos seus motivos! Razões válidas não faltariam, de certeza! Mas vacilaram, quando não se pode vacilar. Transgrediram um pouco, somente! Não se pode! Um pouco que seja, não é permitido. A escola foi feita assim e, assim, deve ser. Sempre foi! As expectativas depositadas neles são enormes. Imensas! Contam com orgulho os progenitores a quem os quer ouvir. Contam que o filho é promissor nos saberes da escola. Outros, menos esperançosos, contam que está a melhorar. – Já o ameacei que vai para o campo! – Exclama, anunciando entusiasmado com a ameaça proferida de descontentamento. Fora escorreito nas palavras porque o campo não interessa a ninguém. - Como se fosse pecado. Até Deus pode castigar. Um agricultor nunca fez mal a ninguém. Apenas sua e trabalha de sol a sol com ardor e honestidade! – Pensa o vizinho que ouviu e sempre enalteceu o seu árduo trabalho da terra, donde se tira tudo o que se pode para se sobreviver. Não compreende. E, eu não compreendo o descuido do relacionamento com as crianças!
É assim! Quando é que os nossos alunos podem respirar livremente e em paz?
A Pedagogia do Amor está aí. Disponível. Pronta a ser utilizada nas crianças que educamos terna e afectuosamente. Só através da dedicação, compreensão e amizade, eles conseguirão entender-nos, respeitar-nos. Só assim, conseguiremos marcar os nossos alunos e fazer deles Homens íntegros participativos e felizes mais tarde nas suas vidas.
A empatia, o carinho e a atenção para com eles pode bem suprimir o custo do futuro!
Ainda bem que penso que a maioria dos Educadores as tem e revela. Para sua tranquilidade e tranquilidade das crianças. A minha intenção sei bem qual é. Eles também sabem, de certeza. Vamos deixar a mente das crianças intocável. Vamos apelar a que as deixem viver no seu estado mais puro de encanto e alegria porque elas são puras e encantadoras! Sempre foram puras e encantadoras!
Temos que terminar de vez, com o custo do futuro das nossas amadas crianças que merecem tudo e tudo aceitam sem protestar. Tudo, mesmo! É só darmos-lhes o nosso melhor. O melhor que temos em nós próprios. Elas aceitá-lo-ão, prontamente!
By Poliedro, Novembro de 2006

Friday, November 03, 2006

Fazes-me Falta

Fazes-me Falta


Quando olho à minha volta encontro o teu sorriso. Belo e sempre presente. Sinto que me olhas de um modo muito especial como só tudo sabes. Existe imensa ternura neles, no belo olhar e no deslumbrante sorriso, num mundo que te pertence só a ti. Se quiseres, algo misterioso, mas carinhoso e profundo. Um sorriso e um olhar arrebatadores que exprimem quem tu és, quem eu sou. Sempre os entendi à minha maneira, mas eles permanecem em mim, disso podes estar certa. Revejo-te em sonhos, que são sonhos felizes. São sonhos bons, como os teus sentimentos o são. Por vezes, interrogo-me, se os merecerei. Se os compreenderei, eu e, a melancolia que me habita, que faz parte de mim, que trepa por tudo o que é corpo e alma. A tua presença é um milagre da vida. Ele, o Divino, decidiu ajudar-me, contemplar-me com a tua presença ao meu lado. Penso que essa dádiva Dele, só eu e tu a compreenderam verdadeiramente. Em perfeita sintonia, comungando dos mesmos ideais. Da mesma forma de vida. Da mesma magia da vida. Compreendes? Por vezes, sinto uma sensação nauseabunda e silenciosa arrebatar-me quando não estás ao pé de mim. Não é um gesto de possessão, nem sequer de dependência. Quando não estás presente crio fantasmas. Dói-me a cabeça! Dói-me as ideias. Dói-me o corpo todo, parecendo ir-se desfazendo aos bocados, tornando-se irrecuperável, sem cura. Divago em pensamentos intemporais, longe de uma lucidez coerente e lógica. Enfim, penso demais! Desejo sentir-me, mas não consigo. Fico sem discernimento para o fazer. Desejo rever-me, mas é impossível. As emoções parecem conquistar-me. Assaltarem-me! Fico no vazio de mim. Nada me importa!
Fazes-me falta! As tuas forças, são as minhas forças! A tua vida é a minha vida! Acredita, porque é verdade! Sinto as tuas forças estimularem-me o pensamento. Estimularem a convicção das palavras que profiro, expressarem-se mais facilmente. Mais naturalmente! Tornarem-se mais arrojadas. Mais aventureiras. Mais determinadas. A vida tem algum sentido. Os gestos e as ideias fortalecem-se e não se desmoronam. Não caiem por terra, gastos, indecorosos, desprotegidos.
Fazes-me falta! Não é pieguice ou lamechice! É o que sinto. O que penso. O que me dá força. Me faz viver. Me faz existir! Dá nexo à minha existência. Dá valor ao meu entendimento. Dá carácter ao que sou e ao que penso. Quando não estás, torno-me indefinível. Inquieto! Desassossegado! Momentaneamente desconexo e confuso! A tua alegria. O teu sorriso. A avalanche de ideias e de ideais, que são meus também, concretizam-se na tua doce presença. Só assim, compreendo o Mundo, mesquinho, ininteligível e turbulento que ele seja. E, então, consegues que eu possa amar as coisas e as pessoas. Compreendê-las! Entendê-las! Ver mais clara e nitidamente o que me rodeia e interessa!
Fazes-me falta! Existe em mim a sublime magia do teu encantamento! Não esqueças nunca que o vazio sente-se. Está presente na ausência.
Fazes-me falta! Sempre! Acredita que vives em mim! Dás sentido ao que eu sou. Plenamente!
Pena, 2006

(Dedicado à minha doce esposa)

Wednesday, November 01, 2006

A Grande Odisseia de Vida dos Livros

A Grande Odisseia de Vida dos Livros
Porquê, agora, os livros? Não! Não tenho muitos porque gostaria de ter mais.Só por essa razão! Muitos mais! São companheiros de uma vida! Os livros preenchem um espaço precioso nas paredes do cubículo da casa que lhes reservei para habitar. Adoro-os, pois, costumo contemplar sumidamente a sua enorme auto-estima, que vivificam a cada instante da sua perpétua existência que é real. Aí, estão salvaguardados e podem sossegar. Alertei-os para que falassem comigo quando lhes surgisse o apetite de desabafar. Vivem como bons vizinhos lado a lado, encostados uns aos outros e solidários entre si. Estão acomodados, sabendo que me preocupo com o seu bem-estar. Sinto em mim a sensação que os incomodo demais. Deviam dormir mais, descansar! Pressinto-os, sussurrando confidências baixinho, não querendo incomodar-me, nem perturbar as minhas opções. São cúmplices nas minhas opções e respeitam-se mutuamente.Não! Não são egoístas, apesar de ostentarem uma pequena inveja, muito pequena, quando não são relidos ou habitam esquecidos, apesar de privilegiados porque não os folhei-o rapidamente ou à pressa, tornando o seu valor e a sua presença nada passageira no meu pensamento, pois, a cada instante são manuseados com um fervor intenso. Desmedido, por vezes e, até, exagerado. Os sonhos geram sonhos. Os momentos, momentos inesquecíveis. As horas na sua companhia, a magia do saber através das narrativas que os preenchem e me preenchem. Nunca me zango com eles. Com as pessoas acontece, mas com eles nunca! Jamais o faria! Deleito-me só de os olhar, de os ver perto de mim. Aprecio o que me contam. Tenho-lhes amor. Tenho-lhes dedicação e a sua bonomia entra-me profundamente e auxilia-me nas reflexões e ideias que transporto comigo para todo o lado. Daí a cumplicidade com eles e com as narrativas incríveis que eles me contam e, só eles, o conseguem, na magia com que falam, contando o que lhes vai lá dentro. No seu interior, rico, precioso e que me abrange e conquista, plenamente! Nunca estão muito tempo parados porque habitam carinhosamente no meu pensamento. Até quando? Eternamente! É um ponto assente, podem crer. Enquanto eu existir, eles existem em mim. Foi uma decisão que tomei, já lá vai uma vida, uma existência e os fez felizes e a mim também. Tento acreditar que é assim porque existe um relacionamento de respeito entre nós, como tudo devia ser entre as pessoas, mas não é. Sabem disso, não sabem? Filhos são filhos que amo ternamente, indispensavelmente. A eles, creio que os adoptei. Solidário e encantado por serem assim. A cada passo, passo o olhar por eles com orgulho porque são meus e me enternecem. Transformam a realidade em histórias, aventuras, mistérios e a vida inteira em sonhos surpreendentes e inesquecíveis. Relembro-os constantemente! Ninguémos cala ou consegue calar, daí a surpresa e o encanto que constituem e expandem por todo o lado. Permanecem no seu canto, prontos a intervir e a deliciar. Porque são deliciosos, gosta-se da sua maneira de ser silenciosa, da sua presença sempre oportuna e discreta. Não dão trabalho nenhum, na sua apresentação, na sua postura, no lugar onde habitam. Merecem destaque, por aí adiante, em tudo o que é lado. Em tudo o que humanamente mexe e pensa!Acreditem que possui-los é bom! Imensamente bom! Requintado! Único! Quando um dia, Ele me chamar para ir para o pé dele, tenho que Lhe impor uma condição: Levá-los comigo! E tenho a plena certeza que eles me acompanharão porque irão agarrados, bem junto de mim, bem aconchegados no meu colo. De encontro ao peito. Isto bastará para eu descansar eternamente, pelo amor que lhes dediquei e o respeito e a admiração que por eles nutri. Isto bastará para justificar uma vida inteira! Para justificar a vida deles e a minha! E, então, bastar-me-á sorrir, encantado e deslumbrado! A dependência salutar e recíproca valeu a pena! Totalmente, podem crer! Não consigo emitir um único som de desalento ou de arrependimento. Foi a viagem longa de uma vida! Levá-los-ei! Está decidido! Ele, por certo concordará! Se não convencê-Lo-ei com todo o fervor que neles aprendi. E, então, poderei finalmente descansar. Descansar de forma feliz, enternecido e eternamente!