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Thursday, March 29, 2007

Uma Espera Feita de Amor

Uma Espera Feita de Amor

(Carta dirigida ao meu irmão João, sempre atento e solidário nas horas intermináveis de dor)

Eu e a minha formosa Dina chegamos ao Hospital muito cedo.
Esperamos e esperamos.
Nisto ouviu-se o nome dela através de um altifalante, quase imperceptível, dissimulado numa parede alva muito escondida, por entre o sussurro dos inúmeros utentes doentes.
Iam-lhe espetar o que eles chamam de anzol!
Acompanhei-a até ao local e, sinceramente, não vi ninguém armado de uma cana de pesca.
Pensei, depois de dizer que a amava, que talvez se tivessem enganado e fosse um

arpão.
Provavelmente, lá dentro existiria água para explorar o seu fundo, que estaria repleto de espécies aquáticas, talvez mesmo perigosas. Esperei a minha amada e tua simpática cunhada, penso eu, cerca de dez minutos bem contados com precisão infalível, sem contar com cinco, em que saí para fumar um cigarro, que teimosamente não me larga.
Regressei.
De repente, entregue aos meus pensamentos que me encontrava porque penso muito, vislumbrei-a a sair com o mesmo vestuário com que entrara, totalmente seco.
Introspectivamente, pensei com os meus botões mais sossegado, que não estava molhada e não fora atacada por nenhum peixe mais descarado, mas que lhe haviam espetado um arpão na mama.
Duvidei, mas não fui apalpar para me certificar. Não seria correcto da minha parte!
Afinal fora pescada!Confesso que fiquei um pouco atrapalhado, mas pensei que talvez fosse necessário e não lhe demonstrei a minha inquietação. Íamos agora para o bloco operatório.
Sosseguei-a ternamente, pois não fora na minha, e dirigimo-nos para lá.
Quando chegamos, quase entrei com ela para o bloco, se não fosse uma determinada médica me informar que não podia ultrapassar ou pisar um risco marcado no chão. Não!Não estou a brincar!
Estava lá um traço marcado no chão, se quiseres um segmento de recta com princípio e fim e tudo, como diz o meu exigente e sabedor, Seixas, com quem trabalho.
Ai de quem passasse o segmento de recta!
Se calhar seria logo operado a qualquer coisa, sem haver necessidade.
Recuei de imediato!
Depois, de dizer que a amava, outra vez, fui para a sala de espera.
Todas as doentes choravam ali, menos a minha amada, corajosa que é e, tua simpática cunhada, penso eu.
Lá dentro só diziam piadas.
- Esqueci-me do aparelho de limpa pára-brisas.
Era o comentário mais utilizado pelos médicos.
Disse cá para mim, que aquilo era correcto. Havia que acabar com o choro!
Além disso, aquele aparelho para os olhos era bem pensado. Ao mesmo tempo, moí os meus pensamentos e conclui que algo de estranho se estava a passar ali. Primeiro, um anzol. Depois,um arpão.
A seguir um limpa pára-brisas. Seguindo-se de um segmento de recta que o Seixas exigiria com rigor.
Decidi, que aquilo não era conversa para mim e, por isso, chegara a hora de fumar outro cigarro.
Saí.
Ainda escutei um silêncio súbito, o que reforçou a minha vontade de fumar.
Quando, cheguei lá fora, aspirei uma longa fumaça para me recompor da insólita e algo estranha sensação motivada pelo que presenciara. Apetecia-me uma sopa. A sério uma sopa e não podia esperar.
Estava a ficar maluco e uma sopa era capaz de me acalmar.
Ganhei coragem e desci ao bloco operatório.
Sem pisar o segmento de recta marcado no chão, digno de um traço rigoroso do meu competente e amigo, Sr. Prof. Seixas, deixei o número de telefone e a minha simpatia a um diligente e atencioso enfermeiro,que me avisaria logo que a minha amada e, tua simpática cunhada, penso eu, saísse.
E, lá fui comer a sopa.
Quando, estava com a sopa à minha frente, mais tarde, o meu telefone tocou e o enfermeiro comunicou-me que podia ir buscar a minha amada.
Haviam decorrido 45 minutos. 45 minutos!
Não pude acreditar!
Apesar de triste por ficar sem comer a sopa, fiquei contente por tudo ter corrido bem e sem problemas com a minha querida amada, naquele estranho Hospital aos meus olhos.
Quando, cheguei, depois de uma verdadeira corrida como tinha efectuado, digna de um valoroso estafeta de pizas sem moto, olhei-a com a mais profunda ternura e beijei-a.
Senti que naquele instante era capaz de beijar todo o Mundo!
Como também não podia beijar o enfermeiro, pedi à Dina que o fizesse e ela fê-lo!
Sem pisar o segmento de recta, a minha amada ia sair, mas numa cadeira de rodas.
Não gostou e disse que iria a pé.
Surgiu uma situação confusa porque a encarregada da cadeira disse, que se não o fizesse,ela perderia o emprego.
Só sabia empurrar cadeiras de rodas que era o seu ganha-pão.
A Dina ficou convencida e fez-lhe este favor, porque se tratava de um favor.
A senhora sorriu e lá fomos.
Implicou comigo por chegar atrasado ao pé da minha amada e, disse-me que se fosse o marido dela, quando chegassem a casa dar-lhe-ia umas chineladas valentes. Calei-me, não por medo, mas por me ter esquecido do carro para levar a minha amada.
A cumpridora de leis hospitalares só deixaria a minha Dina, quando entrasse para o carro.Se o fizesse, seria despedida!
Tremi, sem soluções à vista, para mim e para ela.
A minha amada salvou-nos aos dois! Inventou um carro abandonado, naquele Hospital estranho e, a senhora, depois de torcer o nariz deixou-nos ir.
Suspirei de alívio!
Poderia regressar à minha sopa, sem segmentos de recta, sem o Seixas, sem os arpões, sem os anzóis e sem os limpa pára-brisas.
A minha amada comeu um queque, tomou um café e, para meu espanto e admiração, fumou um cigarro.Tudo correra maravilhosamente!
Agradeci a Deus!A minha apreensão inicial, talvez, não fizesse sentido!



(Dedicado à minha doce e terna Dina com um AMOR fervoroso)


Foi transformar a dor, pela Alegria e Sentido de Humor
Pena, 2006. Durante um ano angustiante de vindas e idas ao I.P.O. do Porto


A todos Obrigado!