Contribua para a Campanha do Agasalho 2009

Campanha do Agasalho 2009

Sunday, March 25, 2007

Memórias Inesquecíveis de Infância e a minha querida Tia Judite


Memórias inesquecíveis de Infância e a minha querida Tia Judite

Sempre que falo da minha Tia Judite sinto um arrepio. Não sei explicar porquê. A Tia Judite era uma mulher de armas, como se costuma dizer. Vinha de Abambres, sempre a pé. Vejo-a na cozinha de casa da minha avó, falando muito alto. A Tia Judite ouvira sempre muito mal ou era assim que eu a via. Elevava a voz e falava, falava, falava muito. A sua voz ecoava por todo o lado. Fazia-se ouvir. Quando entrava, todos sabiam que ela estava lá. A Tia Judite era meiga, atenciosa e prestável com todos. Nunca a vi arreliada ou maldisposta. Tinha uns olhos pequeninos num rosto repleto de rugas. Adorava doces e adorava que nós comêssemos doces com ela. Penso que os acompanhava com uma pinguinha, de que não abdicava. Quando isto acontecia ou era festa, ria, ria, até não poder mais. Dizia que eram os outros que a faziam rir e não o efeito da pinga, cujo efeito a tornava muito alegre e bem disposta. A imagem que tenho desta situação era que bastava ela cheirar a pinguinha, para rir sem parar até chorar.
Eu era raro entrar na cozinha. Fazia-o somente para pedir água. Era surpreendente aquela água, sempre muito fresca, armazenada numa vasilha de barro preto comprado em Bisalhães, que lhe dava um paladar alucinante e desejado. Sempre vi aquela cozinha muito fria e com uma ou duas empregadas entregues a ela, embora não muito atarefadas. Vejo-as sempre sentadas em bancos de madeira tosca, conversando baixo e com um ar de fadiga. Não recordo os seus nomes, não por desprezo, mas porque não cativaram muito a minha atenção, pois, era muito pequeno. Lembro-me, embora vagamente, da Grabelina. Vinha de Abambres com a Tia Judite, a quem contava a vida, a sua amargurada vida. Estava sempre cabisbaixa e era idosa e mouca como a minha Tia. Via-a com um ar triste e desolado. Quando vinha, comia fartamente e matava ali a sua dor e o seu infortúnio. Nunca se aventurava a estar noutro aposento da casa. Via-a sempre na cozinha ou não a via. Parece-me também que falava em surdina com a minha avó ou com a Tia Judite em desabafos necessários e que faziam parte da sua malfadada existência. Sim. Lembro-me da Grabelina e até me lembro quando ela morreu, quando findou a sua vida inconsequente e sofrida.
A Grabelina fez parte do meu memorial e do memorial da minha família, em casa da minha avó Maria, mais concretamente, na cozinha da minha avó Maria, de onde nunca saia.

A Tia Judite: "Era o sono da morte..."

Já em casa de meus pais, relembro-me de outro episódio com a minha Tia Judite. Eu e o meu irmão João, adorávamos dormir. Dormir até quando nos deixassem. Vivíamos num apartamento, junto do Mercado Municipal de Vila Real. Como era habitual, em dias de feira, a Tia Judite deslocava-se até lá, sempre escorreita e desejosa de lá comparecer, ao mesmo tempo, que aproveitava para nos visitar. Ora, um dia em que a feira acontecia subiu a escadaria de casa de meus pais e bateu à sua porta com uma energia desmedida, que não passara despercebida aos vizinhos, como sempre o fazia, e chamando muito alto por nós. Todos ouviram, só nós é que não. A sua voz ecoou por todo o prédio e aquela habitação até quase tremeu, dado o impacto provocado pelo seu chamamento e pelo barulho manifestado. - Manel, João, sou eu. Abram a porta! - Gritou, com todo o seu ímpeto posto na voz. Bateu uma, duas, três vezes. Chamou uma, duas, três vezes e o seu grito fez-se ouvir por todos os moradores que aquela hora estavam nas suas casas. Acorreram todos, aflitos. A Tia Judite virou-se para eles e disse, trémula:- Só podem estar mortos lá dentro! Estão mortos, de certeza!
Toda aquela gente entrou em pânico, pensando em como abrir aquela porta e como estaríamos nós.
Em voz de comando, a minha Tia Judite ordenou: - Rebentem a porta! Estão mortos! Estão mortos, de certeza!
Imediatamente, se juntaram mais pessoas e a porta foi mesmo arrombada e toda aquela gente, conhecida e desconhecida, entrou pelo nosso quarto dentro. Acordamos de imediato, surpresos e amedrontados. Nunca tínhamos visto tanta gente no nosso quarto. Notei-lhes na expressão um aspecto e um semblante de desilusão, como que dizendo:-Afinal estão vivos! Estão vivos e bem vivos! Que chatice!
De imediato, toda aquela multidão debandou inconsolável, perante a falta de acção no desfecho desta situação e a minha Tia Judite nem nos recriminou e só exclamava, emotiva: - Era o sono da morte! Era o sono da morte!
E, foi assim, que entrou em nossa casa!
Pena, Numa noite interminável de saudade da Tia Judite, onde quer que ela esteja. Um Bem -Haja, querida Tia Judite que nos faz sonhar!