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Thursday, November 16, 2006

A Tareia Que Dei no Polícia

A Tareia Que Dei no Polícia


Vínhamos em grupo. Contentes! Felizes! Talvez, demasiado eufóricos!
Tudo aconteceu junto do jardim Diogo Cão, instalado perto da Escola Técnica, agora, Escola Secundária de S. Pedro, na minha cidade de Vila Real.
Cantávamos em coro, emanando e brotando um contentamento incontido, contagiante, próprio da idade. Perante a estátua do ilustre navegador português, um dos orgulhos desta cidade, vislumbramos, ao longe, um agente da autoridade. O Pires, o Nóbrega, o Carvalhinho de Matos Torres, entre outros e, que eram muitos, começaram a provocá-lo. Levantaram as vozes em sintonia, acriançadas, gritando na sua direcção: Solipa! Solipa! Solipa! Não me agradou aquele tratamento desajustado para com o polícia e destaquei-me do grupo, caminhando mais à frente, silencioso. Os gritos ecoaram de novo, agora com maior intensidade: Solipa! Solipa! E riam-se. Como me destaquei do grupo, eu que não emitira um único som durante todo o tempo, fui interpretado, pela distância pouco perceptiva a que ele nos observava, como regendo aquela orquestra. Eu que estivera calado, sumido em mim próprio, sempre. Não pactuava com esta conduta menos correcta. A cantilena era agora mais forte, mais intensa e, eu era supostamente o responsável pelos insultos que lhe eram dirigidos. Aos seus olhos, eu era o líder do grupo naquele chamamento indevido, insultuoso, embora não tivesse participado nele. Estava inocente! Completamente inocente! Tremia, por se pensar que eu regia aquele coro, conotado com a indelicadeza do acto, daquele chamamento indecoroso e provocador ao agente da autoridade. E isto acontecia por ter avançado um pouco mais, numa atitude defensiva e de não participação naquele procedimento com o qual não podia aceitar. Não constava da educação e da conduta que os meus pais me haviam ensinado.
Entretanto, o polícia dirigia-se para nós, carrancudo e lentamente, parecendo controlar os seus passos, milimetricamente. Eu, havia avançado um pouco e o grupo também. De súbito, junto da repartição onde o meu pai trabalhava, senti que me agarravam. Tratava-se de um agente policial à paisana. Passara no local por um acaso e assistira a tudo aquilo. Senti-me, frente a frente, com a lei e a autoridade, mas inocente, verdadeiramente inocente. O polícia insultado e maltratado verbalmente havia encurtado a sua distância de mim e dirigia-se na minha direcção pronto a actuar. Os seus passos eram largos e quase corria, instalada que fora em si a cólera e a urgência de apurar o meu comportamento para fazer justiça. Senti medo e revolta! Os meus amigos tinham-me abandonado e haviam-se escapulido como puderam sem deixar rasto. Eu encontrava-me só e abandonado, entregue a mim próprio e à minha capacidade de me justificar por actos indevidos, perante a autoridade e, ao mesmo tempo, sentindo que compreenderiam a minha reposição da verdade, perante o que se passara há poucos momentos ali. Ilusão, pura ilusão infantil! Sentia no meu íntimo indignação e, também sentia, que a fuga dos meus colegas, levara com eles a amizade que me unia a eles. Não consegui controlar-me. Atemorizado que estava com o avanço do polícia e o que ele me podia fazer, tentei libertar-me do agente à paisana. Aos gritos: - Largue-me! Largue-me! Não fui eu! - Reagi com impetuosidade e consegui soltar-me. Só que ele não estava pelos ajustes e prendeu-me de novo. A energia que me habitava no momento provocada pela injustiça que me estavam a fazer, fez-me sacudi-lo, novamente. Peguei no guarda-chuva que possuía e atingiu-o com ele várias vezes, ao mesmo tempo que invocava a minha inocência. Isto fê-lo largar-me. Corri, então, para o meu pai que se encontrava na repartição. Ficou perplexo, incrédulo e, perante a minha eloquência justificativa, todos acreditaram em mim. Revejo-os novamente pelo apreço e simpatia que lhes tenho guardado em mim; perante aquele aflitivo momento. Eram: o Senhor Melo, o Senhor Iledeberto, o Senhor Matos, o Senhor Borges que se estendeu até ao chefe do meu pai, o Senhor Engenheiro Simões, pelo consolo com que me trataram e depositaram em mim prontamente, acalmando-nos a todos e acreditando na posição que eu assumira. Apesar do insólito tumulto gerado mesmo em frente ao seu local de trabalho, este não os afectou, nem os ofuscou a tomarem de imediato o meu partido.
Os polícias pediram desculpa e eu fui para casa, onde mais tarde o meu pai conversou civilizadamente comigo e aceitou a minha atitude como justificada. Pelo canto do olho pude observar que emitia um sorriso de elogio, pela determinação com que agira com os polícias. O meu pai que eu adorava, excedera totalmente as minhas expectativas na admiração e na confiança com que me tratara, nesta situação delicada e comprometedora. Senti um imenso calor protector naquele acto e na minha pequenez, motivados pela tenra idade e pela insegurança daí resultante. Ele estava ao meu lado, como sempre estivera. Podia contar com ele, constatei com orgulho e satisfação!
Durante os dois meses que se seguiram não perdoei aos meus amigos o que eles me haviam feito. Depois, tudo foi reposto: a amizade e o companheirismo, por entre desculpas e abraços. Contudo, permaneceu sempre presente em mim este instante que vivi e que não esqueci, pela minha presença de espírito em repor a verdade e o saber perdoar, apesar de magoado e sofrido, pelas circunstâncias acontecidas comigo, injustamente.
Por outro lado, ficou em mim o respeito pelas forças da autoridade e um certo temor em relação a elas! Talvez seja um complexo, uma lembrança, um recalcamento. No entanto hoje, não posso deixar de esboçar um pequeno sorriso pela tareia que dei ao polícia, por falar verdade e ele não acreditar nem colaborar com ela.
A pureza e a verdade de uma criança devem sempre ser tidas em conta!
Pena, Março de 2005