Que vou eu dizer, do meu brilhante e afável irmão, que admiro? À noite dá-me para estas coisas! Que hei-de fazer? Só lhe peço que me desculpe. Que desculpe a simplicidade e a forma tosca como escrevo, pois, é capaz de se indignar ou mandar-me deitar e descansar, que é isso que eu devo precisar. Ou não? É capaz de pensar que não durmo há dias seguidos, só para fazer estas coisas. Sinceramente não sei como vai reagir porque sempre tento não perturbar ou incomodar as pessoas que me tocam muito. Mesmo muito! E ele é um deles. A sua presença em mim corre-me no meu sangue, afecta-me a mente e emociona-me oespírito. É o meu único irmão rapaz, filho primogénito dos meus adoráveis pais e mereço-lhe respeito, compreensão e até ternura. Isso mesmo, ternura. É a palavra adequada. O termo exacto, que acredito que ele é capaz de gostar e preservar preso a si e a tudo o que sente. A tudo o que lhe vai lá dentro. Ele tem isso e muitas coisas mais. Tem amor e pensa como eu. É bom pensar. O meu irmão tem o mesmo nome do meu avô. Sim! E, ambos, gostaram sempre decrianças. Saltavam-lhe para o colo! Conquistavam-nas facilmente com a sua simpatia e encanto. Rodeavam-se delas, monte delas e, com jeito e fascínio, amavam-nas profundamente. Não abdicavam da sua seriedade, mas elas entendiam que alguma coisa de muito especial constituía o seu coração. Só isso bastará para os definir, para os entender, para os admirar aos dois em simultâneo, pela mútua parecença. Eram semelhantes. Sem elas à sua volta, enlaçadas de encontro a si, sentiam-se vazios, inexistententes. Anulavam-se. O meu irmão perpetuou o que o meu avô deixou inacabado. Eu amava-o. Admirava-o. E, é por isso que nutro amor e muita simpatia pelo meu irmão. Ele já sabe disso, vai-te deitar! Não! Não sei se sabe. É uma hora da manhã, depois de um dia extenuante e não tenho ponta de sono. Que ele me perdoe, mas necessito de fazer estas coisas, que inexplicavelmente, me assolam, me anestesiam e consolidam a existência e as ideias, que fazem parte de mim, tomando de mim conta e de tudo o que me rodeia. Estacionam-me as ideias, convertendo-as em mais puras. E, o João é algo de especial, algo de importante descobrir, interpretar e, que se tem que desvendar, seguindo as suas preciosas indicações nele inscritas, mas ocultas, inacessíveis, por serem preciosas, só nossas. E não é fácil! Tem que se seguir rigorosamente todo o seu percurso. Seguir um trajecto, lado a lado. Na comunhão unida e sentida de um companheirismo vivo e bem real, indissolúvel, manifesto. Enigma e tesouro! Por que não hei-de procurar definir estas pessoas, que me serviram de exemplo e nunca entendi lá muito bem? Talvez, porque nunca fiz um esforço para entender. Não! Calma. Para mim, as coisas, as pessoas, respiram, choram, amam porque existem. E, eu não posso desistir facilmente de procurar entender. São um livro por abrir. Um sonho que só a eles pertence. Uma forma de vida intensa e leal, mas explicável ao seu jeito, sem interferências de quem quer que seja ou necessitarem de ser bem clarificadas, esclarecidas, definidas. Não! Não sei ler o pensamento das pessoas! Não sei ler o seu interior ou o que lhes vai lá por dentro. Só sei entender que devem ser pensamentos bons. Bons, sim! Bons porque cativam. Amam. Dão tudo o que têm. Tudo o que representa uma vida. Um carácter. Uma forma de ser. De agir. De proceder. Enfim, uma forma de estar pessoal, intransmissível. O meu avô era admirável e inqualificável nas atitudes e no trato quando lidava com todos os que existiam em seu redor. Preocupava-se! Amava-os sem rir, pois, sorria. E eu amava-o por isso. Incomodava-se com o bem-estar de todos, com a sua felicidade, com a sua alegria, com a sua tristeza, com a miséria e o choro dos que sofrem. Não!Não dizia isto. Não precisava. Bastava espreitar para o seu interior que era terno, afável e só dele. Bastava encontrar, chocar com o seu belo olhar cintilante que parecia brilhar, bem visível na face e que descortinava a sua forma de estar e sentir. O meu irmão é isto. É como consigo vê-lo. É exactamente semelhante, igual e não se torna imperioso que ele o explique. Está explicado por si. Um carácter assumidamente metido numa capa enigmática, que nunca compreendi, mas que deve ser muito boa, porque a esconde. Não se publica um carácter. Não se publicam os sentimentos. Não se publica o amor. Não se publicam as emoções. Estão lá dentro. Dentro de nós. Só inerentes a eles. Tudo o que sai de lá de dentro é valioso. É bom indiscutivelmente. E, pronto, está bem visível, como digo, aos que se preocupam em entendê-los. Fazer um esforço por entendê-los. Exigem esforço e um arregalar de olhos porque mexe também connosco. Merece um franzir do sobrolho. Um esfregar das ideias e um esforço do pensamento. Coisa que raramente ninguém no seu perfeito juízo faz e eu faço! Faço-o e hei-de fazê-lo sempre. Tudo o que ignoro, suscita-me interesse. Suscita-me a atenção e o buscar e rebuscar de um discernimento sensato para me esclarecer, o que é impossível de esclarecer. Mas, ao menos, tento! O fulgor do acto de tentar, penso que justifica a serenidade de compreender o que não se explica,não se compreende. Deve ser uma coisa admirável. E, é tudo! Os sonhos também não se explicam. E ele sonha de certeza. O meu irmão sonha. O que sonha é dele, muito dele. E não me vem contar porque sonha. Eu também não conto os meus sonhos a ninguém. São nossos! Pertencem-nos! Só a nós dizem inteiro respeito na privacidade de sermos, de construirmos, de habitarmos os nossos bons sonhos. E basta! O que ninguém nos pode tirar é a preocupaçãode nos interessarmos por alguém que amamos. E, o meu irmão, eu amo, porque me interesso por ele e pelos seus sonhos. Porque nunca o compreendi. Mas, amo. Sei só isso. E isso chega porque me deve amar também e eu acredito plenamente no amor! De forma convicta e recíproca. Enche-me de orgulho e satisfação. Inequivocamente e indubitavelmente! Acredito, sinceramente nos mistérios da vida que tento construir e ele faz parte do que construo. A razão? O motivo? Porque o nosso sangue corre nas mesmas veias, percorrendo-as de igual forma. Identificam-se! Misturam-se sem se discriminarem. E é isso que tem valor. Um valor intenso. Enorme. Quando abro o livro da vida, o meu irmão está presente nele. Presente com sobriedade, carácter e bom-senso. Ajuda-me a imitá-lo. E é isso que me enternece. É isso que me motiva. É isso que me leva a consultá-lo sofregamente. Sem perder tempo. A compreendê-lo. Ele está lado a lado comigo, sei-o e vale a pena. O que contem? Não sei, mas é bom e não perco tempo. Que mais haverá nele? Talvez, ele um dia me conte. Para já o que vejo é só isto. A oportunidade virá depois se ele decidir e quiser. É com ele! É dele e, só sei, que é bom, tenho a certeza disso. São duas horas da manhã. Vou-me deitar, mas deixo o lápis na mesa e o caderno onde rabisco aberto. Como aberta fica a página do livro da vida que falta escrever sobre a descoberta do meu doce irmão que ficou encravada por ser bela. Não avança mais. Uma vida que tento imitar, mas de forma imperfeita e eu sei e ele sabe. Ele só sabe ser ele. E eu só sei ser eu. Um bem-haja, irmão! Sonha! Continua a sonhar! Sonhar faz bem. E, se eu não entendo por vezes o teu sonho, desculpa. Talvez, um dia consiga escrever a história e entendê-la fielmente e na íntegra. Sem esquecer pormenores. É uma promessa que fica. Talvez, um dia a escreva, exactamente onde agora ela ficou! Não sei se vais gostar disto. Se calhar tinha feito melhor em ter ido dormir mesmo sem sono, porque as pessoas normais dormem e têm sono quando a noite surge. Estabeleceu-se que à noite se dorme. Quem estabeleceu isso não sei, não faço a mínima ideia, mas respeito-a porque deve precisar de dormir e dormir de noite. Fica aqui a tentativa de entender, o que nunca entendi verdadeiramente, ao longo da minha vida. Só sei que gostava de ser como tu! Isso sei perfeitamente! E, isso chega!
Poliedro. Novembro de 2006