Contribua para a Campanha do Agasalho 2009

Campanha do Agasalho 2009

Monday, October 30, 2006

O Silêncio

O Silêncio


Gosto de ouvir o silêncio. Sim! Atentamente! Escuto-o! Os outros? As pessoas?Não sei. Sinceramente, não sei. É fascinante porque parece brincar comigo.Gosto de o manusear, escutá-lo, senti-lo quando entra em mim e me absorve intencionalmente com fascínio. Não! Não me atemoriza. Não estou só.Tenho-o a ele, só para mim. Olho à minha volta e tudo é feito de silêncio.Até a casa está a pactuar com ele e comigo, ajuda-o, ajuda-me. Consigo pensar nas coisas mais incríveis e fantasmagóricas feitas de silêncio porque, lado a lado, vou com ele para onde ele me leva. Todos estão mudos, menos ele, que se expressa em mim e comigo na avalanche de sonhos e encantos da vida. É por isso que o escuto em tudo o que me rodeia, em tudo que vejo e faz parte carinhosamente e amigavelmente da minha existência. Sei que me compreende, porque eu compreendo -o. Não sei se o compreendo, mas ele, tenho a certeza inequívoca que me compreende. Respeito-o! A telefonia calou-se. As pessoas que amo deitaram-se. Resta-me escutá-lo e cavalgar na ilusão de que, de tempos em tempos, só eu e ele, o silêncio e eu, unidos, podemos magicamente sonhar na quietude dos instantes, das horas, do descanso dos relógios que pararam para nos dar um espaço de dignidade. O silêncio tem dignidade! Acredito na dignidade e na majestosa importância dele, do silêncio. Podia-se estudar.Aparecer nos manuais escolares e nos manuais da vida, mas, penso eu, que iriam maltratá-lo, ignorá-lo, não o compreender. Quem é que compreende o silêncio? Só o compreende quem consegue escutá-lo, amá-lo, estudá-lo, enfim, vivê-lo! Vivê-lo, plenamente. Não! Acreditem que não tenho nenhum medo de insanidade mental em mim, só por adorar, compreender, estudar e amar o silêncio. Se a tivesse, diria. Mas, primeiro dir-lhe-ia a ele. Ele estava em primeiro lugar, podem crer. Como ele gosta, não lhe digo. Absorvo-o.Delicio-me com ele e com a tranquilidade que me envolve e que ele me dá.Faz-me pensar em coisas incríveis, boas, sinceras, únicas, verdadeiras. Entro num mundo que me faz sentido. Um mundo de canteiros de flores, jardins, aventura, música, poesia, imensamente bela e resplandecente aos meus olhos.Depois, foi feito para amar sem ruído, numa atitude única de bem-estar e conforto todos os que o escutam, sem protestos, sem exigências. Deixem-no levá-los, porque estão bem entregues, acreditem! Não! Ele não faz mal. Faz pensar. Só pensar! E pensar é bom. Pensar, faz acreditar que estamos vivos e compreendemos os mistérios da vida. Os mistérios do amor. Da intransigência violenta. Da hipocrisia egoísta. De quem, por não compreender, nos quer perturbar, sem ouvir, uma única vez, o silêncio. Ouvir, uma vez só! Depois, tudo poderá acontecer, porque podem gostar dele, da sua calma, do seu afago, do seu discernimento de poderem livremente pensar.Eu adoro escutar o silêncio! Sinto-o! Compreendo-o! Faz parte de mim!
É como um afago sincero! Uma carinhosa melodia escutada, dificilmente transmissível.
Só para mim! Acreditem, porque é!

Saturday, October 28, 2006

Os Momentos mais Belos Feitos de Silêncio
Sempre me vi e revi entregue à minha melancolia existencial e, assumidamente, à suposta incompreensão e parasitismo do que aparentemente sou. Nunca me olhei com ambições, próprias do ser humano comum, mas com ideais e valores a ele inerentes que defendo convicta e empenhadamente. Nunca fui do género de existir para agradar. Não! Não agrado a toda a gente, só para agradar e ficar feliz comigo próprio e com eles. O carácter e a tranquilidade do meu interior é só comigo e guardo-o como um tesouro e uma relíquia muito valiosa desde pequeno. Sou sensível ao que me rodeia, apesar de não pertencer a ninguém em particular. A Beleza e a Felicidade não as compro, vivo-as à minha maneira, sem intromissões de quem quer que seja. Definem-me como uma pessoa peculiar, que penso ser errado e incorrecto aos seus olhos, apesar de preocupar-me à minha maneira, com o bem-estar e a felicidade dos outros com sinceridade absoluta, verdadeira.. Sou normal como a vulgaridade das pessoas! Enfim, sou pouco sociável, mas solidário e, tentando compreender a forma natural das pessoas, das coisas e do Mundo! Sei que só se vive de uma vez só, mas essa vida, será como a vejo, como a sinto, como a penso e como me emociona. Não a desperdiço, podem crer! Tudo ganha vida à minha volta quando descortino e percepciono atentamente o silêncio e a sua magia. A sala! Os móveis! A luz! As paredes! Os minúsculos insectos! Entranham-se em mim e fazem-me sobreviver, na pacatez dos meus intensos sonhos que se instalam, sem avisarem ou pedirem licença! Quando escrevo ou reflicto, as palavras bailam-me com emoção, pela forma exacta e excessivamente séria como saem do meu pensamento. Os textos e as ideias acontecem naturalmente, expressando o que vejo e revejo, incessante e nitidamente. Assolam-me, como é natural, momentos felizes e belos, porque os tenho escondido numa caixinha bem secreta, guardada dentro de mim! Bem guardados, porque vertem lágrimas sentidas de felicidade e encanto quando surgem. Pura ternura que coabita comigo! Esvaem-se num êxtase único de segredo pela sensação agradável de me pertencerem e darem sentido à minha pouco preenchida vida. São sonhos acordados, vigilantes, protectores! São lágrimas expressivas, plenas, intransmissíveis! A vida é um ciclo perfeito de emoções. Há o nascimento. Há a vida e, depois, o seu término. Nesse percurso há de tudo e, a tudo temos de nos agarrar, com garra e coragem, quase de um poderoso leão. É assim! Tem que ser assim! Talvez, exista Ele a proteger-nos, a vigiar-nos, ao nosso lado pronto a intervir. Será que Lhe podemos entregar a vida? Para muitos, a verdade é essa, inequívoca, sentida, única! Sinceramente, eu não sei! Como poderia eu saber? Existo somente! Tento viver unicamente! Com momentos belos e felizes, que tenho e acredito. Plenamente! Mas, acreditem. São meus! Só meus!

Uma Espera Feita De Amor (II)

Uma Espera Feita De Amor (II)

Quando entrei, de novo, no estranho Hospital acompanhado da minha amada, olheidemoradamente à minha volta. Perscrutei tudo o que me rodeava, auscultandointrospectivamente se tudo estava normal e, se nenhuma situação insólita ouesquisita não reinavam naquele dia, resplandecente aos meus olhos. Eradecisivo para mim e para ela! Suspirei de alívio! Não vi anzóis, arpões oulimpa pára - brisas à vista ou em conversas. Sosseguei, um pouco mais, euque me enervo facilmente. Já era razoável ao meu exigente pensamento. Não!Não pensem que me esqueci do nosso chefe, Sr. Professor e Sr. Coordenador e,muito estimado e respeitado, Seixas. Imaginei logo o nosso valoroso Sr.Professor, entretido a compor e a medir rigorosamente o segmento de recta dobloco operatório, protestando por não o chamarem logo nesse arranjo, peritocomo era em segmentos de recta. Pensei, que ele tinha razão! Um chefe temsempre razão, mesmo que ninguém concorde! Pensei também, que os seusprotestos e a sua indignação tinham todo o meu aplauso. Nem todos têm rigorno traço! Se ele era perito, deveriam tê-lo chamado de imediato! As pessoastêm todo o valor em alguma coisa e, por isso, o seu talento deveria sermostrado e elogiado de imediato e prontamente. Mais uma vez, o nosso chefetivera toda a razão. Ainda, não sei se preencheu o livro de reclamações doestranho Hospital ou não. Por certo, não deve existir, senão deveriausá-lo, que é para estes casos que ele serve. Pelo menos terá sempre o meuapoio. Penso que deve bastar o meu apoio porque ele também me apoiaria, se eufosse bom em segmentos de recta como ele. Infelizmente, não sou! Mas, deixemoso prezado Sr. Professor e Chefe e os segmentos de recta em que é perito em PAZ.Não o vi e, isso, é que interessa para o meu bem-estar, eu que sou muitocomplicado. Olhei de novo. Senti um arrepio pensando que vira a diligente senhora dacadeira de rodas e que me ameaçara com umas chineladas em sua casa, se eufosse marido dela, por eu não querer largar a sopa e ter chegado ligeiramenteatrasado. Tremi e arregalei bem os olhos. Não! Não era ela. Esqueço-mesempre dos óculos, eles que me fazem tanta falta e, torna-se necessárioforçar um pouco a vista, para descortinar alguém que conheço. Não temi aschineladas, mas fiquei muito mais aliviado por não ser ela, podem crer! Nãoque lhe quisesse mal, pois era a sua profissão, mas era melhor assim, paraevitar complicações de novo. Até podia estar mal disposta e sabe-se lá noque lhe daria para fazer? Ponto Final, estava mais descansado! E, é tudo! Entretido nestas divagações, apurei o meu turvo olhar e constatei um facto:todos os doentes tinham um envelope junto deles! A minha amada também tinhaum, mas nunca espreitei lá para dentro, confesso. Era dela! E só dela! Odeles era só deles! Respeitei-os, apesar desta constatação não merecer quealguém ma explicasse. Achei curioso. Só isso! Este envelope merecerá semprea minha consideração. Estou a falar-vos sinceramente! Quero... Exijo quecompreendam, porque estou a falar mesmo de verdade! É apenas curioso! Sóisso! Nada mais! Após, conversar com a jovem e esbelta menina do balcão, sentamo-nos.Parecera-me ser uma adolescente sem problemas de qualquer índole e nãocarecer de falta de identidade, próprias da idade. Por certo, o complexo deÉdipo, já teria sido ultrapassado com sucesso. Parecera-me normal, em suma.Simpática e atenciosa! Não lhe perguntei se estava informada sobre asprotecções de carácter sexual que devia ter, pois, ela estava a atravessaresta fase algo complicada da vida, porque não quis incomodar, mas pressagioque sim. Devia estar informada e bem informada! O porquê? Não sei! Sempre meinteressei pelos problemas da adolescência e tudo era de esperar ali, masesforcei-me e não disse nada. Poderia ser inconveniente, mas algo me sopravapara que conversasse com ela. Eu ficaria mais descansado! Não nos podemosesquecer que era jovem? Resolvi-me calar, seguindo os conselhos simpáticos daminha amada. Ela havia-me dito, que se fosse possível não abrisse ali a boca,apesar de poder encontrar alguma coisa fora do normal. E eu, custosamente anuíe permaneci calado, mas entregue aos meus pensamentos, porque sinto necessidadede pensar. Sinto necessidade de pensar, por mais esquisitos e absurdos estespensamentos sejam! Ela sabe e foi por isso que me mandou não abrir a boca.Disse-me pacientemente que, quando saíssemos, teria uma surpresa e aí jápoderia dizer tudo o que me viesse à cabeça, habituada que já estava. Eucompreendi, mas tive pena de não esclarecer e informar a jovem sobre osproblemas que poderia ter. Afinal, eu era um Educador! E, os Educadores educam.Que dissessem alguma coisa deste género ao Sr. Coordenador Seixas. Aí deles!Nem vale a pena explicar o que aconteceria! Ele, era um Educador e dos bons!Ele, de boca fechada? Nem pensar! Competência e a atitude de educar são comele. Ou pensam que percebe só de segmentos de recta? Nem pensar. Isto é comele, bom como é. Outro dia até me confessou que iria escrever um romance deamor! Fiquei estarrecido, porque ele também tem bom coração. Só queninguém vê? Ele explicaria tudo à jovem. E com desenvoltura! Tenho a plenacerteza. É pena não aproveitarem este talentoso rapaz !- É o que eu penso! Como já dissera ou se não o disse, digo agora, a tentação da sopa poderiaesperar por agora. É certo que me acalmaria, mas resolvi esperar, paraacompanhar a minha amada na evolução dos acontecimentos, naquele estranhoHospital. E, já sentia um vazio manifesto no meu estômago. Mas, prometi-lhe eera para cumprir. Não que ela não compreendesse ou se importasse. Mas, resolviesperar, só um pouco mais! Também não tinha nada que fazer! Olhei tudo, de novo. Estava imensa gente. Sentados nas suas cadeiras,sussurrando uns com os outros de forma bem audível os seus pensamentos. Apurei que a sala estava cheia. Nunca compreendi a razão porque aqueleHospital estava sempre cheio, esquisito como era. Ouviam atentamente osaltifalantes mal colocados, que os chamariam não sei para quê. Lá estava eu,ao pé da minha amada, também ouvindo o momento de escutar o seu nome.Explicou-me, pausadamente, que não havia necessidade de ir com ela lá dentro.Ela exploraria, sozinha, aquele local. Só teria de guardar a sua gabardina.Compreendi que tinha imenso gosto naquela gabardina! Tinha uma espécie de amorpela gabardina, incompreensível, porque eu estava ali e tinha - a conhecidoprimeiro. Lá teria as suas razões! Eu assenti e disse-lhe, que a defenderiaaté à morte, aquela gabardina e a sua espécie de amor por ela! Que tivesseum envelope, se calhar com a planificação das aulas para os alunos na suaescola, era compreensível, mas deixar-me entregue a uma gabardina, nãoentendi lá muito bem. Se calhar, era a expressão da sua total confiançadepositada em mim. Estava a matutar um pouco sobre aquilo, quando ouvi o seunome no altifalante, mal posicionado. Deu-me um beijo, que retribui.Levantou-se e dirigiu-se à porta malfadada, donde eu a vira sair da outra vez,arpoada. Resolvi ir fumar um cigarro, mas agarrado à gabardina. Eu deveriadefender a gabardina até à morte! Para lá disso era agradável ao olhar eaté poderia vesti-la na sua ausência. Não! Penso que não, era dela! Sódela! Quando regressei, via-se sair com um sorriso plantado na boca, emanandosatisfação. Tudo havia decorrido muito bem e estava boa de saúde. Nada nelafora detectado de anormal. Estava de perfeita saúde! Entreguei-lhe a gabardinae beijei-a várias vezes, com ternura e carinho. Sorri para toda a gente que aliestava, solidário com todos eles e esperançado na cura dos seus malesrapidamente. Sorri virtualmente e, como se estivessem perto de mim, para todosos que me incentivaram a descrever um pouco a minha angústia vivida quase háum ano, com a minha esposa. Agradeci a todos os que me apoiaram. Agradeci aEle. Agradeci ao amor que nutro pela minha esposa e ela por mim. Enfim, a todasas pessoas do Mundo que conseguiram ultrapassar as suas doenças, com força devontade e querer. Acima de tudo, agradeço a todos os profissionais de saúde,pela dedicação e amor que nutrem pelos seus doentes e tudo fazem paracombater os seus males. No fim de tudo, resta dizer que fui comer a sopa, que mais uma vez me acalmou. A minha amada acompanhou-me e, ambos sorrimos, pelo amor mútuo que sentimos umpelo outro. Indissolúvel e inequívoco!

Crónicas Escolares Sinceras do que sinto e do que vejo

Crónicas Escolares Sinceras do que sinto e do que vejo

Eu penso que o nosso Sr. Professor e estimado Chefe, José, deveria tentar jogaro monopólio. Devia rodear-se de amigos sinceros e, que gostem dele, e tentarjogar. Ou então, jogá-lo com os alunos, porque não? Não era descabido detodo! Senhor exacto, colega exemplar que é. Não teria nenhum mal! Ao mesmotempo, contemplaria extasiado e deslumbrado as linhas rigorosíssimas, ospolígonos, os quadrados, os primas e os poliedros e não poliedros que constamdo animado jogo! Deveria sentir-se bem ao pé deles, daqueles objectos efiguras. Proporcionar-lhe-iam uma visão rigorosíssima que nunca esqueceriapela vida fora. Depois, poderia manusear as formas geométricas das peças queconstam do jogo, pondo-as e deslocando-as, segundo as regras. Sim! Porque elerespeita as regras, sendo rigoroso. Seria enternecedor, ele que já prometeupôr música nas aulas. Seria um profissional da educação, pedagogicamenteintocável e cumpridor! Era uma forma de mostrar a sua imensa empatia e o seuimenso amor que nutre por todos eles na aprendizagem. Não! Não estou abrincar! O monopólio é um divertimento conhecido, pleno de linhasgeometricamente rigorosas, que fariam o seu encanto. Talvez, esquecesse umpouco os segmentos de recta, porque tem uma profunda obsessão e, que corrigiuno estranho bloco operatório, do encantador Hospital, que eu e a minha amadavisitamos durante um árduo e angustiante ano. Lembrei-me agora disto,preocupado que estou com ele porque me confessou que iria escrever um romancede amor, de que já contei, não havendo necessidade de o fazer. Caramba, jápensaram que isso só lhe traria desilusões e embaraço, quando tivesse deexplicar esta sua atitude? Que ele tem bom coração, já toda a gente sabe,mas não vamos exigir que o seu coração fale porque está lá e é bemvisível a todos nós, sem margem para dúvidas. Sempre pronto a intervir comuma palavra simpática e consoladora nos momentos difíceis vividos peloscolegas. Para quê testá-lo ou pô-lo à prova? Não vejo necessidade disso,sinceramente! Ele que já deu provas de sobejo, perfeitamente conhecidas, deuma postura solidária e humana perante todos, mais do sexo feminino, comotodos compreenderão pois é um homem, do que do sexo masculino, como é óbvioe eu apoio, por completo. Um homem é um homem até ao fim! E, sem fraquezas,tristezas emocionais ou choros. Como ele deve pensar: Um homem nunca chora! Nempara dentro de si! Nem pensar! Um homem é rijo até ao fim! Aguenta tudo, pormais maus e aflitivos momentos que o atormentem! Mais uma vez, o valoroso Chefetem razão, como já disse algures, mesmo que todos não concordem. Mas,voltemos de novo ao jogo do monopólio. Não sei porque me lembrei domonopólio. Talvez fosse porque regressei à infância ou porque nunca saidela. Talvez fosse porque a recordo constantemente ou porque queiracompreender, de uma vez por todas, o nosso talentoso e incompreendido, Sr.Coordenador. Parece que o estou a ver esquecido dos segmentos de recta ebrincando alegremente e com satisfação com os seus alunos. Parece que o estoua ver lançando os primas quadrangulares, que são os dados e, pegar nas placascirculares, avançando ou recuando nas casas, que para seu regozijo, sãoquadrados, ou seja, quatro segmentos de recta com princípio e fim e com amesma medida, geometricamente iguais. Parece que o vejo percorrendo com asfichas redondas e a comprar a Rua do Ouro e a rua da Prata, protestando pornão serem a rua dele ou a minha ou a tua. Acima de tudo, gostaria que ele, quetem bom coração compreendesse que a vida, por vezes, prega-nos partidas e nãopode ser tão exacta e geométrica como ele pensa. A vida é algo mais. APedagogia do Amor e da ternura, em face dos alunos, que são crianças, é algomais valioso que terá que se ter em conta e respeitada. Como colega e amigodesejava que ele mudasse um pouco mais, ele que já mudou bastante e, quepensasse, que os outros também são seres pensantes, não tão exactos eprecisos como ele, tem que se assinalar, mas vivem, existem, têm tristezas ealegrias e, só querem o seu precioso bem-estar, sem manias ou arrogâncias quepodem ferir. Penso sinceramente que é competente, mas essa competência não é tudo. Háque rever algumas das suas atitudes porque acredito que no fundo é umexcelente rapaz, pronto a ajudar em tudo o que possa. É nisso que acredito!Bem-haja, Sr. Professor, Sr coordenador e Sr. Chefe José e não esqueça ossegmentos de recta tão cedo, porque eles tornaram-se para mim numa ridículabrincadeira engraçada aos meus olhos, muito gastos, mas presentes e algoobservadores. Pouco, mas observadores! Pense seriamente em jogar o monopólio!

O Pensamento Aprisionado

O Pensamento Aprisionado


Os únicos e autênticos grilhões que coabitam em mim, estão pendurados nomeu pensamento. Existem e são reais. Não me esquecem ou abandonam,facilmente! Necessitam de mim e eu deles! Permanecem agarrados à avassaladorainércia das ideias, pecando por soltarem-se! Afinal, porquê? Vivem na pacateze no silêncio do quotidiano, sempre presentes e indissolúveis. Perante umanecessidade preguiçosa e parasita que exigem discrição, soltam-se e vagueiamnão muito satisfeitos na minha mente, já muito gasta e preenchida. Existempara incomodar! Sinto-me algo confuso e insatisfeito. Não! Não tem nada a vercom as pessoas! Tem a ver com a complexidade e as exigências estereotipadas domundo de hoje. Além do mais, desculpem-me, mas sobrevivo repleto de enxaquecasdesconcertantes, mas muito saudáveis e necessárias. Alertam para a vida!Fazem-me existir! São sinais reais, mas intransmissíveis de que estou aqui!Estou aqui, agrilhoado ao meu fiel e sincero pensamento, que me ajuda de noitee de dia a sobreviver. Ajuda-me a fluir na imensa multidão que compartilhacomigo os milagres de sonhar e de viver! De viver e de sonhar, lado a lado,unidos num objectivo comum, consolidar desejos e ambições. Não! Ele, opensamento agrilhoado, permanece preso por ideais, ideias por satisfazer, leale presente, mas aprisionado. Entendem? E as prisões do pensamento são comunsa todos os mortais. Eu! Sou mais um! Se o soltarmos não existimos. Omaravilhoso sentimento da existência soçobra, cai, esvai-se num vazio emorre. O pensamento é algo de precioso, é algo como um grande tesouro que noshabita e, a sua magia conduz um barco, num vasto oceano de águas puras, masrevoltas e alteradas, em face de um maremoto, orientando-o rumo a um portocalmo e seguro. Os poetas e os sonhadores compreendem o Universo que Ele criou,perfeito na sua imperfeição. Eu, aprisionado no meu pensamento, compreendo-oà minha maneira inequívoca, de o observar e de o sentir, um pouco como eles.Ele criou-o, mas esqueceu-se do pormenor de criar o pensamento comum sem seraprisionado, remetido ao nosso interior, sensível a tudo e a todos. Podemossoltá-lo um pouco e, depois? Acontece que queremos divagar, corrigir e amartambém. Algo, surge...- A imperfeição! Incompreensível nas suascontrariedades e dificuldades de ultrapassar, que exigem lucidez e prontidãode actos sóbrios e sensatos. Os mais fortes vencem e os outros? Os pensamentosacomodados e submissos na bajulação prosseguem intactos, mas os outros? Opensamento criativo, insubmisso e atento? Que fazem a esse? Nem tudo está bem.O pensamento esconde-se, retrai-se e dissolve-se! Os agrilhoes do pensamentosurgem. Mais tarde, o Universo que nós criamos, morre connosco! E com ele,morre o sublime pensamento agrilhoado! É o fim. E, libertamo-nos, finalmente!Mas, infelizmente, já é tarde demais! Acabou-se! Resta a dignidade e aseriedade, esquecidas logo, do que ele foi!

A Conturbada deslocação desportiva ao Porto

A Conturbada deslocação desportiva ao Porto


Aconteceu no Porto. Na altura, na longínqua cidade do Porto, onde acivilização ressurgia em todos os domínios: cultural, social, político ehumano. A minha cidade de Vila Real onde nasci, cresci e, onde sempre morei, estavaimensamente distante do Porto. Adorava-a imenso, também por isso! O autocarro que transportava a nossa equipa de basquetebol, representativa danossa cidade, ou melhor, do nosso Liceu, arfava, serpenteando na velha e caducaestrada esburacada e cansativa de se suportar, fazendo-nos pensar a todos quejamais chegaria ao seu destino. Para nós a estrada era interminável! Sem fimvisível aos nossos olhos! A nossa finalidade era participar num torneiointer-escolas naquela cidade, longe da pacatez e do sossego que sentíamos comalegria e regozijo em Vila Real. Mas era um contacto humano salutar eenriquecedor por escasso tempo e serviria para trocar experiências comuns,jovens que éramos. Iríamos jogar com o Liceu Garcia da Orta, os Liceus dascidades de Viana do Castelo e Braga e o Liceu de Bragança, único queesperávamos vencer. Com as outras equipas as forças eram muito desiguais. A equipa do Liceu Garcia da Orta era composta por jogadores de treze e catorzeanos como nós, mas a sua aparência era de rapazes de dezoito ou dezanove anosque já competiam nos escalões federados mais avançados, conquistando aquiexperiência e rodagem para futuros confrontos mais a sério. Só este factoassustava qualquer um. Nunca compreendi verdadeiramente como poderia aconteceraquilo! Também não interessava porque uma simples reclamação poderia levartudo a perder. Eles eram mais poderosos em tudo. Até no bilhete de identidadeque ostentavam com determinação e confiança, em que a barba começava adespontar na fotografia exibida, apresentava agora tão rapidamente aos nossosincrédulos olhos, uma imensidão de pêlos nos rostos à nossa frente que oscobriam quase completamente. Era de pasmar o seu súbito desenvolvimento emtão pouco tempo! Questionávamo-nos como crescera assim e, a nós, não! Apessoa parecia não compatível com a fotografia! Duvidávamos da suaveracidade! Mas o silêncio era total em nós! E em altura? Raramente oszelosos dirigentes seleccionavam um rapaz que não tivesse mais do que um metroe oitenta! Autênticos postes, escolhidos minuciosamente! Só de olhar paracima, mesmo antes de jogarmos, sentíamo-nos pequeninos, minúsculos, em facedo que presenciávamos e das imponentes figuras. Até já à partida, em facedestas evidências demonstradas, contávamos com o insucesso da nossaprestação desportiva, antes do jogo se iniciar! Era a área, como secostumava dizer, que intimidava, imperando neles e que representavam naperfeição! A nossa dignidade seria alcançada se conseguíssemos que nãochegassem aos cem pontos! E isso era extremamente difícil de conseguir, dadasas circunstâncias de supremacia clubística bem patente e tornada visível. A estrada divisava-se com dificuldade à nossa frente perante a fortetrepidação do impacto das rodas do autocarro nas inúmeras pedras e buracosexistentes. O autocarro tropeçava nas falhas do asfalto, balanceando nodeplorável piso. Era uma verdadeira gincana a que assistíamos, impávidos, àmercê da perícia do condutor. Os meus colegas menos habituados a estasandanças vomitavam pelas janelas, enquanto outros deitavam a cabeça de forapara respirar o ar puro da Serra. Ainda não haviam chegado as novastecnologias e, com elas, o angelical e divinal ar condicionado dos dias dehoje. Uma coisa era certa: A bela e majestosa Serra do Marão estava isenta de culpa,erguendo-se de um e do outro lado. O cenário que ela nos proporcionava eradeslumbrante, espraiando-se lá do alto numa visão fantástica. A Serra estavasilenciosa, expectante, ao que lhe iam fazendo. Limitava-se, por vezesincompreensivelmente, a aceitar, remetida a si mesma. Parecia sofrer pelosmaus-tratos que a incomodavam no seu acesso e mereciam um urgente cuidado e umaatenção de melhor trato, tornando-a hospitaleira, como sempre imaginava vir aser um dia. Aquela estrada decrépita que ziguezagueava à sua volta não adignificava, nem a prestigiava! A sua existência ancestral e de deslumbreestético mereciam maior preocupação e atenção! O progresso havia de surgirum dia, para bem ou para mal!- pensava em surdina. Em plena Serra do Marão, a Pousada sempre fôra uma referência visível láno alto, estrategicamente bem colocada como que observando tudo o que ocorriaali, para depois lhe confidenciar, num sussurro comprometido, mas energético,pleno de vitalidade e de transparência cúmplice. Era o marco daqueladeplorável estrada! A vigilante estalagem daquela resplandecente Serraamparava-a para que nada de mal lhe viesse a suceder. Era assim que eu as via,sempre lado a lado, inconformadas com a estrada, mais parecendo esta, umcaminho de acesso de animais, desprestigiante, um acesso que não mereciam demodo nenhum, pela beleza natural e ímpar que a Serra brotava e emanava portodos os lados, por todos os cantos, até nos mais recônditos e agresteslugares. Quer no trajecto para Vila Real, quer na deslocação para o Porto, a Pousadaservia como fronteira. Quando se viajava em direcção a Vila Real, uma vezchegados à Pousada sentíamos que o mais difícil já ter sido percorrido,sentíamo-nos já em casa, já em Vila Real. Quando nos dirigíamos para oPorto, o sofrido caminho começava ali. Deixáramos para trás Vila Real.Apesar de ainda distante da minha cidade, a Pousada funcionava assim! Estaestrada decrépita e sofrida apresentava-se para mim desta maneira! Agora quequase ninguém a parece utilizar, distante no tempo, revejo-a, recordo-a assim. Com um porte penoso assumido, lá íamos andando enfrentando as contrariedadesda estrada.. Em breve, avistaríamos Amarante e, depois, a civilizaçãoencarregar-se-ia de nos proporcionar o resto. O resto era uma melhor estradaaté ao Porto! Mais fácil de viajarmos, mais fácil de suportar. O progressoacabaria por interceder a nosso favor de forma inevitável, expondo melhorescondições aos seus viajantes. Exigia-se cada vez mais uma descentralizaçãourgente e necessária do poder nas grandes cidades que também nos contemplassea nós, que também nos ajudasse. Chegáramos ao Porto! Ficaríamos alojados no Colégio Brotero, em Vila Novade Gaia. Era um colégio, que não sei se ainda existe, exclusivo para rapazese situado mesmo no coração daquela cidade. Admitia alunos internos também. Foi então que aconteceu! Fora uma emergência que não podia esperar! Quando já tardiamente, paramos para descansar e comer alguma coisa, o nossoestimado colega Inácio precisou de fazer as suas necessidades de carácterfisiológico, urgentes. A travessia acidentada da Serra havia motivado esteimpulso, inadiável. Como não havia um quarto de banho, aflito que seencontrava e, porque estas coisas não podem esperar, encontrou um lugaradequado atrás de uma estátua que não me recordo da figura ali evocada pelosseus heróicos feitos, de certeza meritórios, mas mesmo erguida algures nocentro do Porto. Não achamos nada de estranho na conduta do nosso companheiro,transmontanos de raça que éramos e, orgulhosamente habituados que fôramosassim, desde tenra idade! Para mais as necessidades mais urgentes eram assimresolvidas, naqueles tempos! O pior veio depois. A noite caía, sem pressas. As lojas comerciais começavam a fechar, ao ritmocadenciado de um dia cansativo, vivido por aquelas honestas e trabalhadoraspessoas. O movimento frenético e intenso, como é o das grandes cidades e,esta não era excepção, começava a abrandar. Nós queríamos prosseguirviagem, rumo ao nosso destino, pois, já nos aguardavam no Colégio para jantare depois descansar. Só o Inácio não aparecia! Que teria acontecido ao pobrerapaz?- inquiriamo-nos preocupados e olhando o relógio. Que teria sucedido?Porquê tanta demora?- eram as nossas perguntas perante a ausência doInácio.. Foi então que resolvemos enviar um mensageiro para se inteirar dasituação e da razão daquele atraso. Lá foi o Augusto, eleito mensageiroque, escorreito e desenrascado, foi saber do paradeiro do demorado jovemdesaparecido subitamente. Soou o alarme! O mensageiro que era o Augusto trouxea desastrosa notícia. O Inácio havia escorregado e caíra, mesmo em cima domotivo das suas preocupações de há pouco. Ainda se encontrava lá sentado,inconsolável e cheirando muito mal. Aquela prestação acabara em mal!Plenamente solidários com o que sucedera ao Inácio,, sérios e compenetrados,sentimos que deveríamos agir em seu socorro. Deveríamos efectuar algo. Mas, oquê? O diligente Augusto avisou: - O cheiro é muito intenso! Ninguémaguentará!- exclamou, aflitivamente. A resposta surgiu da parte do brincalhãoe sempre bem disposto Queijo: Há que comprar umas calças e desfazermo-nos dassuas, conspurcadas e muito mal cheirosas que estão!- exclamou, convicto de terresolvido o problema que nos assolava e preocupava a todos. Num ápice, juntamos as economias que tínhamos e entramos todos, os vintejogadores e mais três dirigentes porta a dentro de uma loja desportiva paracomprar umas calças de fato de treino e, assim, resolver o caso pendente quetínhamos entremãos. Ao ver aquela gente toda invadir a sua loja, osvendedores entraram em pânico. Ofereciam-nos tudo e mais alguma coisa, desdeque lhes poupássemos a vida. Pensaram que era um assalto! Quando lhesexplicamos ao que íamos, descansaram e lá nos venderam umas calças baratas,sorrindo entredentes. O mensageiro Augusto foi incumbido de levar as calças novas e salvadoras aoinconsolável Inácio. Como precaução tapou o nariz e levou um saco parameter as velhas, desgraçadas e obsoletas calças, provocadoras de tudo aquilo.Uma vez feita a troca, o Augusto fugiu para dentro do autocarro, acautelando asua saúde e respirando o ar puro interrompido na missão que levara a cabomomentos antes. Sentia-a indisposto e prestes a cair, pelo cheiro nauseabundorespirado. Agora, pareço estar a salvo!- pensou, para consigo. -Que fedor! O condutor do autocarro estava impaciente, depois de inteirado do sucedido.Queria prosseguir a sua viagem, pois, já se fazia tarde. Foi então, que por trás da estátua surgiu sorridente o Inácio. Aanormalidade residia no conteúdo de um saco que trazia e, do qual, não sequeria separar nem por nada. Todos pareciam desmaiar por onde ele passava. Eraum cheiro sufocante, de arrepiar o mais habituado ser a estes cheiros. Cheiravamesmo mal! E ele não fazia questão de se privar dele, nem do seu mais queprecioso conteúdo Era seu! Fora uma prenda da sua mãe. Eram umas calças deestimação, de que não se poderia separar por nada deste mundo! Surgiu um grave dilema. O condutor recusava-se a deixar entrar o conteúdo dosaco no autocarro. O Inácio recusava-se a prosseguir viagem sem o saco! Oimpasse durou, ainda alguns instantes. Foi então, que o Queijo sugeriu:- OInácio viajaria com o saco de fora de uma das janelas do autocarro, nãoincomodando nenhum dos viajantes! Todos concordaram! Assim, não morreriamsufocados! Até o condutor anuiu, algo hesitante. De início custou um bocadinho suportar aquele cheiro, mas lá prosseguimos aviagem rumo a Vila Nova de Gaia e ao Colégio Brotero, onde iríamos ficar umou dois dias. Por onde passávamos as pessoas protestavam. Umas, gritavam paranós obscenidades, impropérios, descontentes com o cheiro. Outras, atónitas,criticavam abanando a cabeça em atitude de censura. O que se tornava mesmoevidente a todos era: cheirava mesmo mal! Cheirava mesmo muito mal! Mesmoagora, bem distante daquele momento, recordo-me perfeita e nitidamente, podendoafirmar sem exageros e com toda a sinceridade: Cheirava mesmo muito mal! Nuncavira uma coisa assim! Era um cheiro intenso de cair para o lado! Impossível derespirar! Sentido a grande distância!
O que foi certo é que atravessamos o Porto e Vila Nova de Gaia assim, porentre protestos de toda a gente. Até que chegamos! O distinto Perfeito doColégio já nos aguardava. Homem esguio, cabelo que já lhe rareava, fatocompleto com gravata a condizer e tudo, encaminhou-nos aos nossos aposentos queeram os exíguos quartos que nos foram destinados. Entretanto, o Inácio sóansiava por lavar as suas preciosas calças contaminadas que já haviamprovocado o torcer do nariz do nosso inquieto anfitrião. Sentiu uma náuseainvadi-lo, mas pensou que lá fora algum descuido de algum de nós,transmontanos que éramos, oriundos de trás da Serra, habituados a estascondenáveis atitudes. Nós, Transmontanos assumidos, primando pelahospitalidade e afabilidade da nossa gente quando forasteiros nos visitam. Povoque sabe receber e respeitar! Povo honesto e trabalhador a que me orgulho depertencer.- Pensei para dentro de mim, apetecendo-me dar-lhe uma lição devida exemplar. Um pouco atarantado pôs-se à nossa disposição para o quefosse preciso, sem se esquecer de vincar bem as regras do Colégio que dirigiae que seriam para cumprir rigorosamente. Ali havia regras para tudo! Às onzehoras da noite apagar-se-iam as luzes! Todos deveríamos estar a descansar.Havia horas para levantar também, assim como para as refeições. Pensamospara nós que o homem devia estar maluco ou possuído por algum demónio àsolta ali! Para nós, a noite começava à meia-noite. De manhã,necessitávamos de dormir para além das horas estipuladas por ele, pois,sempre acháramos que descansar era dar força e vitalidade ao corpo. Para maisos jogos eram à tardinha. Teríamos muito tempo! Não lhe demos explicaçõesdos nossos propósitos e dos nossos incompreendidos pensamentos e dissemo-lheque não se preocupasse. Tudo seria cumprido! Claro que pensávamos agirprecisamente ao contrário de tudo o que o Perfeito rigorosamente impunha, maspermanecemos silenciosos rebuscando na nossa mente que estávamos ali para nosdivertir e não numa penitenciária a cumprir uma pena pesada e inapelável derigor. Depois de insistir e vincar bem, outra vez tudo o que havia dito, foi-seembora incomodado por aquele fedor, olhando-nos de soslaio e virando-se váriasvezes para trás com uma expressão de incómodo e ferocidade. De certeza quenão confiava em nós! Quando o vimos partir definitivamente, suspiramos dealívio! Dirigimo-nos, então, aos nossos quartos, escondendo a muito custo o conteúdoinsuportável de que o Inácio teimosamente, mas com uma certa razão, não sedesfazia nem por nada. Quando lá chegamos, parece que o estou a ver esfregando, esfregando asmalfadadas calças com água e sabonete. Aquilo estava bem entranhado e exigiaesfregar com muita força e com uma determinação apurada. Tornava-senecessário esfregar até à exaustão! Quando o suor começou a escorrer-lheno rosto, deu por concluída a sua dura empreitada. Estendeu-as numa cordaimprovisada na janela do cubículo que era o quarto que lhe fora atribuído esossegou. O Inácio sossegou, finalmente! O seu tesouro resistira a tudo e, porfim, estava seguro, bem perto e vigiado pelos seus olhos atentos a qualquereventualidade! Surgia agora a hora do descanso que antecedia o jantar. Iria ser a nossa primeira noite, das duas noites, de estadia naquele Colégio. Naquela altura, ansiávamos por nos divertir. Escusado será referir queninguém descansou naquele momento. Recordo-me que todos nós e, há falta demelhor, prontificamo-nos a vasculhar tudo o que havia nos quartos, que nosforam atribuídos. Éramos intensamente curiosos e desejávamos acção quepusesse término àquela apatia forçada, provocada pelas palavras repletas deimpessoalidade e de cariz imperial do nosso antipático anfitrião: o Perfeitodo Colégio. Abrimos gavetas, abrimos as portas dos móveis, abrimos os tamposdas secretárias, as gavetas das cómodas e tudo o que estava ao nosso alcance.Ao mesmo tempo desfazíamo-nos das mochilas, atirando-as para um canto. Ainvestigação que decidimos encetar unanimemente, deveria ser cuidadosa, semdeixar escapar nenhum pormenor, aos nossos apurados sentidos. Parece que nosvejo tão compenetrados que esquecêramos que tudo aquilo não era nosso. Estapesquisa levada a cabo por nós não tinha o intuito de furtar nada, mas sim,única e simplesmente pura curiosidade juvenil. Pelo menos estávamosconscientes disso. Eram rapazes da mesma idade que nós, portanto com os mesmosgostos e interesses. Por outro lado, aquilo parecia aos nossos olhos algosubversivo, atentatório às palavras do Perfeito ditador, que nos incentivavaainda mais a agir daquela forma. No meio daquela confusão toda instalada, o sempre brincalhão e, ao mesmotempo conflituoso Queijo, metia-se com o emocionalmente instável Avelino,possuidor de trejeitos e tiques algo efeminados, que aceitava tudo, revoltadocom o facto de naquele instante ser o bombo da festa. Tínhamos tirado à sorte os nossos parceiros de quarto! Eu ficaria com o meuprimo Anacleto, sempre sensato e sóbrio nas atitudes que tomava e, paraacontecer uma desgraça previsível, que nós sentíamos existir bem patente emtodos os nossos rostos e que temíamos, o Queijo ficaria no mesmo quarto com oAvelino. Uma discussão acalorada, sem ser novidade ou inesperada por nós, tinha-seinstalado e concentrava-se no quarto dos dois. O Queijo recusava-se com determinação a compartilhar o quarto com o Avelino! De súbito, algo veio acalorar ainda mais os ânimos. O Batista havia aberto uma gaveta da cómoda daquele quarto, ficandoestupefacto com o que divisara lá dentro. Deu um grito de terror em face doseu conteúdo. Acorremos aflitos! A surpresa estendera-se a todos! Lá dentro,por entre soutiens e cuecas de senhora vislumbrava-se um verdadeiro manancialde adornos e objectos de estética feminina. Apetecia-nos desmaiar deincredulidade. Aquele Colégio só admitia rapazes! Havia pó de arroz para embelezar o rosto. Havia sombras para os olhos! Haviabaton para os lábios! Havia rimel! Havia pinças para as sobrancelhas! Haviaum frasco de rouge! Havia perfume feminino! Recordo que na altura sentimos receio, algum receio! Numa altura das nossasidades em que procurávamos encontrar a nossa identidade sexual e afirmar anossa virilidade aquilo arrasava tudo! Temíamos que esta descoberta, numColégio masculino como aquele, provocasse escândalo e apreensão perantenós, alicerçado pelo procedimento que os mais ousados pudessem tomar. Sei quea descoberta nos tocou profundamente no aspecto negativo e deu motivo aespeculações sobre o verdadeiro local onde nos encontrávamos. Conclusão: Aquilo caiu como uma bomba! Havia homossexuais naquele colégio! E o achado fora logo no quarto do Queijo edo Avelino! Era preciso ter azar! Se fosse noutro, por certo, seria ignorado eesquecido, remetido ao silêncio e a uma indiferença total, pois, não seenquadrava nos nossos valores e formas de vida a seguir! Daí o espanto! Masfora logo no quarto daqueles dois! Temia-se o pior dos cenários. O Queijo espumava de horror, como que acometido por um AVC fulminante, nãoquerendo acreditar no que presenciava, zeloso da sua masculinidade. O Avelinotremia de pavor pelo que lhe poderia acontecer. Na perspectiva do Queijo era deponderar se não tinha sido o indefeso Avelino o portador daquilo tudo, semninguém se aperceber. O Avelino chorava, desesperado e jurando que não eragay. - Eu não sou gay!- jurava de joelhos perante todos nós, esperando queacreditássemos no seu lamento e lhe expressássemos clemência e perdãoperante a inocente acusação, como num tribunal verdadeiro. O Queijo é quenão estava pelos ajustes na sua condenação! Em frente a todos proclamou:- Eurecuso-me a dormir aqui! Está dito! O que aconteceu foi que, depois dum jantar pouco suculento, ninguém dormiunaquela noite. Nem ninguém arredou pé do quarto das preocupações, pois,não havia sono, nem sossego em nenhum de nós. Até mesmo no Avelino! As luzes apagaram-se às onze da noite, mas ninguém tinha sono.Improvisaram-se duas velas que alumiariam até ser dia. Ainda se pensou numasaída clandestina para a cidade saltando o muro, mas cedo se reconheceu sermuito arriscado e poderíamos ser expulsos dali, sem contemplações.Já a meio da noite, o Queijo desgostoso e inconformado pelo que estava aacontecer, deambulava pelo Colégio ao acaso, tentando aclarar as ideias emrelação a tudo. Nisto, pressentiu uma sombra esquiva perto de um dos quartos,na profunda obscuridade. Pareceu-lhe o seu inimigo Avelino e, para o castigar,levantou a mão e passou-lha pelo traseiro. A silhueta ripostou e a claridaderaiou no Colégio, com as luzes todas abertas. Era o Perfeito do colégio quesofrera este grave ultraje! Entretanto o Queijo sumira-se por entre as sombras.Não havia sinais dele! O homem estava colérico, indignado e ameaçou-nos quenão ficaríamos nem mais um dia! Apagou as luzes, antes de se retirar, jurandoque aquela afronta iria ser severamente punida. Tínhamos que fazer algo, pois,estava em causa o nome do nosso Liceu e o nome da nossa esplendorosa cidade.De manhã, por entre olheiras e uma indisfarçável culpa, fomos repreendidos e,até repreendidos pelos nossos responsáveis. Através de insistentes pedidos dedesculpa e, através do Reitor do nosso Liceu também, permanecemos no ColégioBrotero até ao final do torneio. Ficámos em terceiro lugar, derrotados peloLiceu Garcia da Orta, que mais uma vez chegou aos cem pontos, e pelo Liceu deViana do Castelo. Vencemos aos Liceus de Bragança e de Braga. Mostramos emcampo a nossa educação e determinação e regressamos à nossa cidadesatisfeitos pelo são convívio vivido.Nunca esqueci este momento, nem as peripécias acontecidas, fazendo-as agoraavivar na minha memória, longe e distante daqueles tempos que recordo comsaudade.
Ainda hoje me pergunto, um pouco escandalizado: A existência daquele arsenalde produtos de beleza para senhora que estariam a fazer num Colégio só pararapazes?
Nunca o soube! Nem nunca procurei sabê-lo!

Friday, October 13, 2006

A Brincadeira das Caricas e o Buraco no Casaco Materno




As caricas deslizavam ao longo do passeio empedrado da rua. Eram multicolores, policromáticas, brilhantes, belas. Eram muitas. Forradas a preceito. Tinham nomes de ciclistas. Era o Joaquim Agostinho e todos os consagrados ciclopedistas da altura. Tirávamos as rolhas que faziam parte das latas, como costumávamos designá-las, e decorávamo-las com um tecido da cor do clube que o desportista representava. Com um gesto preciso, através dos dedos indicador e polegar, impeliamo-las, fazendo movimentá-las para a frente. Dava gosto vê-las, ao longo da rua. Era o Eduardinho Corredor, o meu irmão João, que tinha mau perder, o Bernardo, o José, o Inácio e muitos mais. Nessa altura a rua enchia. Todos queriam participar. Dar vida e alegria à vitória que representaria a admiração e a glória perante os outros. Havia pequenos conflitos. Todos queríamos ser o Joaquim Agostinho, ídolo da altura. Por vezes a zaragata envolvia-nos. Tirávamos à sorte, mas acontecia que a dada altura, apareciam na corrida cinco ou seis Joaquims Agostinhos, pois, todos tínhamos um. Não importava! O que interessava era que ele ganhasse. Nesses dias até a avó Maria, minha mãe, a D. Fagundes, mãe do Eduardinho Corredor, a D. Albertina e a empregada, Josefina, vinham ver e aplaudir. Pensavam- Pelo menos estão entretidos e não fazem asneiras! Como se fizéssemos asneiras! Éramos tão pacatos. Somente, em dadas alturas subia-nos o sangue à cabeça e perdíamos o controle de nós próprios. Era normal. Só que elas não compreendiam isso. O problema, por certo, residia na nossa idade. Por vezes, até éramos bons de mais, mas isso não viam elas. Era, de certeza, falta de credibilidade nos nossos actos e em nós. Isso é que era. Não viam em nós simples crianças inocentes, mas queriam que os imitássemos e assumíssemos o estado de adultos, quando ainda era muito cedo para o fazer. E, além disso, tínhamos que fazer qualquer coisa que nos despertasse a curiosidade. Bem ou mal, o mal não o víamos em nenhum lado e só restava o bem. No fundo éramos incompreendidos, isso é que era. E, para além disso, tínhamos as nossas aventuras que nos eram indispensáveis ao crescimento físico e mental saudáveis. Se pensassem um pouco poderiam facilmente tolerar as nossas diabruras, mesmo condenáveis e recriminatórias, mas isso era de mais, não pactuavam nitidamente com elas e só viam o bem à sua frente, nos seus horizontes repletos de regras e normas sociais e cívicas de um bom comportamento assumido a toda a hora.
De súbito, aconteceu o momento já habitual, tantas vezes repetido. O Joãozinho, o meu irmão mais velho, o João, ia em último lugar com a sua equipa, encolerizado e revoltado. Não conseguia ter destreza com os dedos e despistava-se facilmente, pelo que era sempre penalizado. Coitado, não era culpa dele era dos dedos. Chegou-se mais à frente, onde iam os ciclistas fugitivos, nome dado para aqueles que na vanguarda do grosso do pelotão dos corredores com hipóteses de vencer a corrida e, zás!, desferiu-lhes um violento pontapé. As caricas voaram rua abaixo, espalhando-se por todo aquele espaço e a etapa teve ali o seu epílogo.
Ninguém lhe disse nada. Era o seu mau feitio que vingara e, que nós compreendíamos. Ele queria vencer, chegar em primeiro. – Foi justo! Fizeste bem! Já estávamos à espera disto.- dissemo-lhe, dando-lhe umas palmadas nas costas, em sinal de aprovação. É que ele ia em último, com toda a sua equipa! O acto do simpático Joãozinho foi aplaudido. Ele resmungou algo imperceptível e foi-se embora sem apanhar as latas. Era usual e estávamos já habituados. Acontecia também quando jogávamos futebol. Quando perdia chutava as pedras que eram as balizas e o jogo terminava. Constatávamos que nada havia a fazer e aplaudíamos a atitude. Aplaudíamos sempre! O meu irmão João nascera para vencer!
Ainda, no que concerne às nossas corridas de latas recordo-me de um episódio não muito risonho. Diria mesmo, catastrófico!
Relembro-me de minha mãe chegar a casa com um casaco lindo, belo como ela. Era encarnado, como se dizia na capital, aqui diz-se vermelho. Estava surpreendente, magnífica mesmo, a minha mãe. Não pude evitar reparar, apesar de ser uma criança, que meu pai, sempre sóbrio, recatado, mas muito lúcido, lhe deitar um olhar cativado, direi mais enternecido, pelo canto do olho, sorrindo agradado, não simplesmente, pela bonomia que minha mãe punha em tudo, mas também, pela imensa candura e doçura bem expressas e delineadas nas suas feições. Olhei! Minha mãe estava linda! A espectaculosidade, a beleza cromática daquele casaco servia plenamente para a equipa que ma faltava decorar, pensei para comigo. Não me podia escapar! Era mesmo aquela. Viva e alegre. Não tinha dúvidas nenhumas. Acrescentando mais àquela evidência, quando se me metia algo na cabeça tinha que o conseguir. Eu era assim. Somente esperava que a beleza majestosa e intensa do casaco e de minha mãe compreendessem que mais altos valores surgiam naquele momento. Eu tinha que forrar a equipa. Foi à tarde. O casaco estava pendurado no armário do quarto dos meus pais à espera que a dona deslumbrasse o Mundo, direi mais, deslumbrasse o Universo todo com a sua esplendorosa afirmação e aparição. A altura era oportuna. Ninguém se encontrava em casa e o silêncio marcava presença. Isento de testemunhas incriminatórias, deslizei, sub-repticiamente para lá e entrei. Lá estava ele! Que belo! Que cor fascinante! Estava embevecido. Não faria mal tirar um bocadinho, como eu fazia às doçuras que minha mãe arquitectava na cozinha e que aguçavam o meu paladar sempre insatisfeito. Ninguém notaria. Decididamente peguei na tesoura e, mesmo no meio, zás!, cortei o pano, deixando o casaco com uma ferida apenas, aos meus olhos. Estava feito. Se calhar, depois, poder-se-ia disfarçar facilmente. Eu já me encontrava servido. Corri para o pelotão das caricas e, tirando a rolha, equipei alegremente o ciclista que me faltava. Saí para a rua e expressei o meu contentamento mostrando-o a todos.
Já estava feliz, muito feliz, quando fui surpreendido por um grito lancinante, desesperado mesmo que parecia da minha mãe, que entretanto chegara a casa. Corri esbaforido. Aflito. Teria acontecido alguma coisa?- pensei, preocupado. Quando me acerquei dela, constatei o motivo daquele alvoroço. Fôra o casaco e o atentado nele acontecido. Fôra denunciado o meu acto inocente! Por quem? Nunca o soube, nem interessava. Sei, que minha mãe pedia explicações, tirando o chinelo. Nesse dia levei umas chineladas que me entristeceram, incompreendido. Apenas tinha tirado um bocadinho! Aprendi a lição e, a partir dessa altura, estimei sempre os casacos, tratando-os com cuidado e, nunca mais, lhe desferi golpes ou feri de cortes que, segundo minha mãe, eram de morte implacável.
As nossas corridas de caricas imortalizaram-se e, ainda hoje, no vazio da minha vida, me apetecia voltar a encontrar as latas e voltar a jogar, voltar a brincar. Dar vida às nossas peripécias infantis que representaram um capítulo importante da minha infância. Apetecia-me fazer renascer o momento, vivê-lo outra vez, na sua beleza transparente e pura de imensa plenitude, inesquecível para mim!

O Estrondoso Tombo do Zeloso Funcionário



Naquele dia, estou convicto que ninguém teve a culpa. Sei que o Senhor Pastor tombou ao encontro do chão com estrondo! Este senhor já idoso era funcionário da Escola Técnica de Vila Real, onde eu fazia por estudar.
Eu era um bom aluno, um filho que nunca dera problemas aos pais neste domínio e os enchia de orgulho e de alegria. Sabia quando deveria estudar e quando deveria brincar. Creio que as provas de responsabilidade os faziam depositar em mim toda a confiança do mundo. Era terno e carinhoso quando o devia ser. Era forte e determinado nas minhas convicções quando pensava serem oportunas. Não havia nada a apontar-me! Vivia o quotidiano, como qualquer adolescente da minha idade. A diferença que existia destes era que tinha propensão para os desacatos e conflitos, em que nunca me sentia como o culpado. Numa frase: Estava sempre a fazer asneiras, embora nunca as assumisse como minhas.
Estava sempre lado a lado com elas, fazendo com que todos redobrassem de controlo e atenções. Eu não via motivos para isso, mas era lá com eles.- pensava, resoluto e decidido para comigo próprio.
A escola que eu frequentava era um edifício novo, arejado e surpreendentemente limpo e moderno. Os seus espaços eram convidativos a um são convívio entre toda a comunidade educativa. Encontrava-se rodeado por frondosas árvores e canteiros resplandecentes de flores, cuidados com esmero, por entre os bancos abundantes, aqui e ali, apelando a que alguém se sentasse, respeitadores das conversas que escutavam.
Esta escola e o que lá se passava eram um dos orgulhos da cidade de Vila Real, da minha linda e confidente cidade de Vila Real, pois, só a ela e a Deus entregaria os meus mais íntimos segredos, ciente que os guardariam no seu regaço, eternamente, sigilosos do dever cumprido e da incumbência de os preservarem e esconderem para todo o sempre. Aí permaneceriam seguros e salvaguardados num mutismo profundo, permanentemente ignorados, adormecidos e desconhecidos. Confiava neles, absolutamente! Confiava neles, totalmente!
Contudo, nesta instituição educativa havia regras a cumprir, como em todas que se regulam pedagogicamente por rigorosas normas estipuladas para serem seguidas, preservando a sua integridade, o seu bom nome, evitando que a confusão se instalasse, podendo esta, desmoronar os actos educativo e formativo num ápice e, que ninguém com bom senso, desejaria assistir ou presenciar, como factores negativos sufocantes, evidentes e, que não se quereriam ver consumados, no carácter sincero e competente dos seus intervenientes mais directos.
Tudo aconteceu naquela manhã sombria por entre lágrimas de chuva reais que caiam em catadupa do céu, repleto de nuvens acinzentadas.
Como devo explicar, naquela escola de paredes alvas e luzidias, existiam duas entradas, uma para as meninas, outra para os rapazes. Eram perfeitamente distintas e resolutamente identificadas como certas e necessárias.
Vínhamos em grupo, como já era usual e atrasados como também já era hábito. Tentávamos freneticamente avançar o mais rapidamente possível, acelerando o passo. A chuva batia-nos nos rostos e encharcávamo-nos a roupa que trazíamos vestida. Éramos para aí uns sete ou oito. De súbito, inconscientemente e impensadamente propus-lhes que encurtássemos a distância que nos separava da sala de aula. Só assim resolveríamos o nosso problema. Eles assentiram de imediato. Tínhamos que saltar o portão de entrada da escola destinado às moças, o que era completamente proibido, interdito e mesmo condenável. Não hesitamos! Escalamos o portão com agilidade e desenvoltura e dirigimo-nos ao encontro da porta exterior, selada e fechada, quase hermeticamente, ao acesso de rapazes. Falta transpor esta, a mais difícil e a mais rigorosamente vigiada.- pensei, apreensivo, mas acreditando que tal poderia ser possível.
Como seria de esperar fomos imediatamente travados no nosso intuito. O Senhor Pastor barrou-nos o caminho. Carrancudo, metido na sua estrutura física muito pouco desenvolvida, acercou-se de nós, decidido a levar-nos ao Director, pois, observara tudo, abanando a cabeça em atitude de censura e repreensão pelo nosso impensado comportamento evidenciado, digno de uma sanção disciplinar e de uma reprimenda exemplares. Regras são regras! Sentimos o nosso arrojado propósito abalado e pensamos em abortar a nossa atitude. Havia que fugir! E, rapidamente! Só que o insólito surgiu: Ele agarrou-me com quanta força tinha, cioso e compenetrado do seu zelo e da sua missão ali! Debati-me com fúria, tentando libertar-me do diligente vigilante do local e meu obstinado agressor. Fiz um sinal sufocante e aflitivo aos meus colegas para que me ajudassem. Imediatamente começaram a puxarem-me de um lado e o respeitável senhor do outro. – Deixe o rapaz!- aclamavam, sonoramente. As forças eram desiguais e nós éramos dotados de maior energia. Perante aquele confronto, pensei que só haveria uma solução que era largarem-me de imediato, até porque se juntavam mais observadores. A um gesto meu para pararem, deixaram de puxar, o que provocou que o senhor se desequilibrasse e tombasse com ímpeto no chão cimentado, ferindo-se. Encetamos a fuga. Escalamos novamente o portão, perante o olhar incrédulo e atónito de todos e, nesse mesmo dia, terminamos ali as aulas que para nós nunca se haviam iniciado. O pior foi depois. Ficamos angustiados porque o senhor Pastor, com idade para se reformar, foi conduzido ao hospital.
Nesse dia e, nos que se seguiram, permanecemos em casa aguardando o mandato de captura, como se faz com os criminosos responsáveis por actos brutais de selvajaria e até mesmo, animalescos. Esse dia chegou, através de uma carta endereçada ao meu pai. Eu tremia como varas verdes, escondido no meu quarto, por entre um duvidoso estado febril, aparecido à pressa que me não permitia ir à escola e um pavor imenso do que podia acontecer-me. O meu pai guardou a sombria e incriminatória carta no bolso do seu vistoso casaco de pele e saiu, sem fazer comentários de qualquer espécie. Apenas, se virou para a minha mãe e disse: - Vou ali e já volto!
Quando pude pressentir que a porta de casa se tinha fechado atrás de si, suei, contei os segundos um a um, rezei a Deus com um fervor que nem uma beata assumida faria, passei por todas as cores e, por fim, arrependi-me de ter nascido dotado que era de instintos maus e condenáveis para um miúdo de onze anos. A minha falta de sossego e de calma perduraria até ao regresso do meu adorável pai. Entretanto, perpassaram por mim sensações muito perturbadoras.- O Senhor Pastor teria morrido? Estaria em coma ou inválido para sempre? Teria resistido ao embate no chão? Quando seria o funeral? E eu deveria comparecer?- pensei, remeloso e inundado de lágrimas sentidas que me caiam pela cara abaixo. Nesse dia, jurei emendar-me e nunca mais pactuar com a minha mania de fazer asneiras e desacatos que me ferviam no sangue e faziam parte da minha maneira de ser.- É imperioso que mude, não me resta fazer outra coisa! Se esta mania não pára ainda tenho um dissabor grave!- pensei, atemorizado e inconsolável pelos actos incontroláveis que, às vezes, me pareciam assolar e chamar, irresistíveis, tentadores a uma conduta e a um propósito absolutamente condenáveis, recriminatórios e sem desculpa possível.
Nisto, a porta de entrada abriu-se. O meu pai e progenitor entrou e, com um ar grave, mas simpático dirigiu-se ao nosso encontro. Ao passar por mim sorriu e perguntou se eu estava melhor.- Tens uma bela e acolhedora escola!- disse. – Conheço o teu Director há imenso tempo e andou a mostrar-me todas as instalações. Fiquei visivelmente bem impressionado. Sabes, penso que deverias aproveitar e, agora, já compreendo porque és um bom aluno. Tens óptimas condições de trabalho!- disse, de forma aprazível e com uma imensa satisfação nos olhos e no rosto. De início, pensei que o meu pai estava a ironizar, mas ele nunca faria tal. Amava demasiado as pessoas para brincar ou gozar com quem quer que fosse. Senti um conforto imenso e um arrependimento enorme. Então tudo estava bem! O Senhor Pastor não morrera, devia estar vivo e bem vivo. Abracei o meu querido pai e disse-lhe que já estava melhor. Amanhã iria à escola. Ele não compreendeu as minhas tão rápidas melhoras e a minha desmedida satisfação, naquele momento. Anuiu e disse que estava bem. Passou por mim em direcção à cozinha, onde a minha mãe se encontrava a preparar o jantar, mas antes parou e virando-se na minha direcção, disse:- O Director queria conversar comigo sobre alguma coisa, mas esqueceu-se. Disse-me que não deveria ser importante, senão não se esqueceria.
Senti um sufoco, seguido de um alívio que durou até de manhã.
Quando cheguei à escola a primeira pessoa que vi foi o senhor Pastor na sua obstinada ocupação. Agradeci a Deus e o que Ele tinha feito por mim.
A má acção fora ignorada e esquecida! Relembro-me vagamente que mesmo depois do meu pai ter ido à escola, fui chamado ao gabinete do Director que me puxou levemente a orelha e me mandou embora. Foi como uma benção ou uma festa para mim. A partir daí, nunca mais encurtei as distâncias e entrei sempre pelo portão dos rapazes, atrasado ou com muito tempo para chegar às aulas.
O Senhor Pastor e este acontecimento perduraram sempre na minha memória, inesquecíveis e bem visíveis num arrependimento verdadeiro e sincero.
Nunca mais esqueci o senhor, obstinado defensor e vigilante do portão das meninas, a que não tínhamos acesso!

O Fascínio da Gruta e do seu Guardião


Fascínio! De fascínio era a gruta. A gruta do Senhor Nóbrega! Ela impelia-nos! Chamávamo-nos! A gruta do pintor causava-nos temor, mas também arrastava-nos a todos para lá, sem se perceber bem o por quê. Era a aventura! Conseguíamos ludibriar o Nóbrega, descíamos a correr a escadaria de acesso e mergulhávamos na escuridão silenciosa daquela gruta. Aí, sentíamos a água até aos joelhos e embrenhávamo-nos no seu mistério, sonhando e sentindo as mais sensacionais emoções, exacerbadas pela nossa idade, ainda curta. Por vezes, imaginávamos as mais inconcebíveis narrativas, as mais surpreendentes histórias sobre o lugar. A certa altura o túnel desembocava numa espécie de cruzamento, onde diziam terem-se descoberto umas moedas valiosas. Isso incentivava a nossa conduta aventureira. Havia também uma velha lápide funerária, onde se dizia ter morrido alguém desconhecido, pois, o nome nela inscrito estava imperceptível. Interrogávamo-nos sobre o seu paradeiro ali, o que cimentava cada vez mais a nossa angústia, ao mesmo tempo que nos incentivava a explorá-la. Tínhamos bem presente em nós que aquele local estava abandonado e que havia perigo nos poços de água profundos e escuros que podiam engolir-nos nas suas trevas. Tremíamos pelo frio sentido ali, mas também por encontrarmos a angústia em todos nós, cada vez que caminhávamos mais para o seu interior. O nosso coração parecia estalar pela ousadia de perturbar aquele lugar, um espaço que não era nosso, mas que defenderíamos e conheceríamos até à morte.
O suposto guardião da gruta dos nossos sonhos era o Nóbrega. Nunca o entendi verdadeiramente. A sua postura fingia ignorar-nos ou ignorava-nos mesmo. Havia nele algo de sofrido, ausente do mundo. Sentava-se à porta de sua casa num banco de madeira tosca e pintava. Expunha os quadros ao longo daquela rua, mas nada fazia para os vender. Olhava-os demoradamente. A sua Arte parecia absorvê-lo, extasiá-lo. As suas obras pareciam deliciá-lo, mas ele não estava ali, disso tinha eu a certeza absoluta. Por vezes, imaginava-o em sonhos, montar num cavalo alado e cavalgar rumo a destino incerto, distante dali, até ao infinito. O pintor não tinha corpo, habitava somente o espírito e a alma! Mesmo a gruta que era sua, estava certo, que ele não a conhecia. Quando passávamos com medo dele, nunca proferiu um gesto, uma palavra. Intimidava, somente, não sei por quê. A par disto, nunca ouvi a sua voz, pois, não articulava um som, uma sílaba, uma letra, pelo menos que saísse para o exterior de si. Talvez falasse com o seu interior! Nunca consegui sequer, ler-lhe os olhos para sentir um pensamento, uma emoção, pois, quando passávamos furtivamente, estava sempre de costas viradas para nós.
A avó Maria nunca soube das nossas investidas ali. Quando alguém falava do pintor sorria com ternura e abraçava o olhar, de forma aprazível e misteriosa.
Hoje, sinceramente, penso que o guardião da gruta estava, somente, na nossa imaginação, na ilusão acalentada e consolidada dos nossos sonhos inocentes, doces, infantis.