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Saturday, October 28, 2006

A Conturbada deslocação desportiva ao Porto

A Conturbada deslocação desportiva ao Porto


Aconteceu no Porto. Na altura, na longínqua cidade do Porto, onde acivilização ressurgia em todos os domínios: cultural, social, político ehumano. A minha cidade de Vila Real onde nasci, cresci e, onde sempre morei, estavaimensamente distante do Porto. Adorava-a imenso, também por isso! O autocarro que transportava a nossa equipa de basquetebol, representativa danossa cidade, ou melhor, do nosso Liceu, arfava, serpenteando na velha e caducaestrada esburacada e cansativa de se suportar, fazendo-nos pensar a todos quejamais chegaria ao seu destino. Para nós a estrada era interminável! Sem fimvisível aos nossos olhos! A nossa finalidade era participar num torneiointer-escolas naquela cidade, longe da pacatez e do sossego que sentíamos comalegria e regozijo em Vila Real. Mas era um contacto humano salutar eenriquecedor por escasso tempo e serviria para trocar experiências comuns,jovens que éramos. Iríamos jogar com o Liceu Garcia da Orta, os Liceus dascidades de Viana do Castelo e Braga e o Liceu de Bragança, único queesperávamos vencer. Com as outras equipas as forças eram muito desiguais. A equipa do Liceu Garcia da Orta era composta por jogadores de treze e catorzeanos como nós, mas a sua aparência era de rapazes de dezoito ou dezanove anosque já competiam nos escalões federados mais avançados, conquistando aquiexperiência e rodagem para futuros confrontos mais a sério. Só este factoassustava qualquer um. Nunca compreendi verdadeiramente como poderia aconteceraquilo! Também não interessava porque uma simples reclamação poderia levartudo a perder. Eles eram mais poderosos em tudo. Até no bilhete de identidadeque ostentavam com determinação e confiança, em que a barba começava adespontar na fotografia exibida, apresentava agora tão rapidamente aos nossosincrédulos olhos, uma imensidão de pêlos nos rostos à nossa frente que oscobriam quase completamente. Era de pasmar o seu súbito desenvolvimento emtão pouco tempo! Questionávamo-nos como crescera assim e, a nós, não! Apessoa parecia não compatível com a fotografia! Duvidávamos da suaveracidade! Mas o silêncio era total em nós! E em altura? Raramente oszelosos dirigentes seleccionavam um rapaz que não tivesse mais do que um metroe oitenta! Autênticos postes, escolhidos minuciosamente! Só de olhar paracima, mesmo antes de jogarmos, sentíamo-nos pequeninos, minúsculos, em facedo que presenciávamos e das imponentes figuras. Até já à partida, em facedestas evidências demonstradas, contávamos com o insucesso da nossaprestação desportiva, antes do jogo se iniciar! Era a área, como secostumava dizer, que intimidava, imperando neles e que representavam naperfeição! A nossa dignidade seria alcançada se conseguíssemos que nãochegassem aos cem pontos! E isso era extremamente difícil de conseguir, dadasas circunstâncias de supremacia clubística bem patente e tornada visível. A estrada divisava-se com dificuldade à nossa frente perante a fortetrepidação do impacto das rodas do autocarro nas inúmeras pedras e buracosexistentes. O autocarro tropeçava nas falhas do asfalto, balanceando nodeplorável piso. Era uma verdadeira gincana a que assistíamos, impávidos, àmercê da perícia do condutor. Os meus colegas menos habituados a estasandanças vomitavam pelas janelas, enquanto outros deitavam a cabeça de forapara respirar o ar puro da Serra. Ainda não haviam chegado as novastecnologias e, com elas, o angelical e divinal ar condicionado dos dias dehoje. Uma coisa era certa: A bela e majestosa Serra do Marão estava isenta de culpa,erguendo-se de um e do outro lado. O cenário que ela nos proporcionava eradeslumbrante, espraiando-se lá do alto numa visão fantástica. A Serra estavasilenciosa, expectante, ao que lhe iam fazendo. Limitava-se, por vezesincompreensivelmente, a aceitar, remetida a si mesma. Parecia sofrer pelosmaus-tratos que a incomodavam no seu acesso e mereciam um urgente cuidado e umaatenção de melhor trato, tornando-a hospitaleira, como sempre imaginava vir aser um dia. Aquela estrada decrépita que ziguezagueava à sua volta não adignificava, nem a prestigiava! A sua existência ancestral e de deslumbreestético mereciam maior preocupação e atenção! O progresso havia de surgirum dia, para bem ou para mal!- pensava em surdina. Em plena Serra do Marão, a Pousada sempre fôra uma referência visível láno alto, estrategicamente bem colocada como que observando tudo o que ocorriaali, para depois lhe confidenciar, num sussurro comprometido, mas energético,pleno de vitalidade e de transparência cúmplice. Era o marco daqueladeplorável estrada! A vigilante estalagem daquela resplandecente Serraamparava-a para que nada de mal lhe viesse a suceder. Era assim que eu as via,sempre lado a lado, inconformadas com a estrada, mais parecendo esta, umcaminho de acesso de animais, desprestigiante, um acesso que não mereciam demodo nenhum, pela beleza natural e ímpar que a Serra brotava e emanava portodos os lados, por todos os cantos, até nos mais recônditos e agresteslugares. Quer no trajecto para Vila Real, quer na deslocação para o Porto, a Pousadaservia como fronteira. Quando se viajava em direcção a Vila Real, uma vezchegados à Pousada sentíamos que o mais difícil já ter sido percorrido,sentíamo-nos já em casa, já em Vila Real. Quando nos dirigíamos para oPorto, o sofrido caminho começava ali. Deixáramos para trás Vila Real.Apesar de ainda distante da minha cidade, a Pousada funcionava assim! Estaestrada decrépita e sofrida apresentava-se para mim desta maneira! Agora quequase ninguém a parece utilizar, distante no tempo, revejo-a, recordo-a assim. Com um porte penoso assumido, lá íamos andando enfrentando as contrariedadesda estrada.. Em breve, avistaríamos Amarante e, depois, a civilizaçãoencarregar-se-ia de nos proporcionar o resto. O resto era uma melhor estradaaté ao Porto! Mais fácil de viajarmos, mais fácil de suportar. O progressoacabaria por interceder a nosso favor de forma inevitável, expondo melhorescondições aos seus viajantes. Exigia-se cada vez mais uma descentralizaçãourgente e necessária do poder nas grandes cidades que também nos contemplassea nós, que também nos ajudasse. Chegáramos ao Porto! Ficaríamos alojados no Colégio Brotero, em Vila Novade Gaia. Era um colégio, que não sei se ainda existe, exclusivo para rapazese situado mesmo no coração daquela cidade. Admitia alunos internos também. Foi então que aconteceu! Fora uma emergência que não podia esperar! Quando já tardiamente, paramos para descansar e comer alguma coisa, o nossoestimado colega Inácio precisou de fazer as suas necessidades de carácterfisiológico, urgentes. A travessia acidentada da Serra havia motivado esteimpulso, inadiável. Como não havia um quarto de banho, aflito que seencontrava e, porque estas coisas não podem esperar, encontrou um lugaradequado atrás de uma estátua que não me recordo da figura ali evocada pelosseus heróicos feitos, de certeza meritórios, mas mesmo erguida algures nocentro do Porto. Não achamos nada de estranho na conduta do nosso companheiro,transmontanos de raça que éramos e, orgulhosamente habituados que fôramosassim, desde tenra idade! Para mais as necessidades mais urgentes eram assimresolvidas, naqueles tempos! O pior veio depois. A noite caía, sem pressas. As lojas comerciais começavam a fechar, ao ritmocadenciado de um dia cansativo, vivido por aquelas honestas e trabalhadoraspessoas. O movimento frenético e intenso, como é o das grandes cidades e,esta não era excepção, começava a abrandar. Nós queríamos prosseguirviagem, rumo ao nosso destino, pois, já nos aguardavam no Colégio para jantare depois descansar. Só o Inácio não aparecia! Que teria acontecido ao pobrerapaz?- inquiriamo-nos preocupados e olhando o relógio. Que teria sucedido?Porquê tanta demora?- eram as nossas perguntas perante a ausência doInácio.. Foi então que resolvemos enviar um mensageiro para se inteirar dasituação e da razão daquele atraso. Lá foi o Augusto, eleito mensageiroque, escorreito e desenrascado, foi saber do paradeiro do demorado jovemdesaparecido subitamente. Soou o alarme! O mensageiro que era o Augusto trouxea desastrosa notícia. O Inácio havia escorregado e caíra, mesmo em cima domotivo das suas preocupações de há pouco. Ainda se encontrava lá sentado,inconsolável e cheirando muito mal. Aquela prestação acabara em mal!Plenamente solidários com o que sucedera ao Inácio,, sérios e compenetrados,sentimos que deveríamos agir em seu socorro. Deveríamos efectuar algo. Mas, oquê? O diligente Augusto avisou: - O cheiro é muito intenso! Ninguémaguentará!- exclamou, aflitivamente. A resposta surgiu da parte do brincalhãoe sempre bem disposto Queijo: Há que comprar umas calças e desfazermo-nos dassuas, conspurcadas e muito mal cheirosas que estão!- exclamou, convicto de terresolvido o problema que nos assolava e preocupava a todos. Num ápice, juntamos as economias que tínhamos e entramos todos, os vintejogadores e mais três dirigentes porta a dentro de uma loja desportiva paracomprar umas calças de fato de treino e, assim, resolver o caso pendente quetínhamos entremãos. Ao ver aquela gente toda invadir a sua loja, osvendedores entraram em pânico. Ofereciam-nos tudo e mais alguma coisa, desdeque lhes poupássemos a vida. Pensaram que era um assalto! Quando lhesexplicamos ao que íamos, descansaram e lá nos venderam umas calças baratas,sorrindo entredentes. O mensageiro Augusto foi incumbido de levar as calças novas e salvadoras aoinconsolável Inácio. Como precaução tapou o nariz e levou um saco parameter as velhas, desgraçadas e obsoletas calças, provocadoras de tudo aquilo.Uma vez feita a troca, o Augusto fugiu para dentro do autocarro, acautelando asua saúde e respirando o ar puro interrompido na missão que levara a cabomomentos antes. Sentia-a indisposto e prestes a cair, pelo cheiro nauseabundorespirado. Agora, pareço estar a salvo!- pensou, para consigo. -Que fedor! O condutor do autocarro estava impaciente, depois de inteirado do sucedido.Queria prosseguir a sua viagem, pois, já se fazia tarde. Foi então, que por trás da estátua surgiu sorridente o Inácio. Aanormalidade residia no conteúdo de um saco que trazia e, do qual, não sequeria separar nem por nada. Todos pareciam desmaiar por onde ele passava. Eraum cheiro sufocante, de arrepiar o mais habituado ser a estes cheiros. Cheiravamesmo mal! E ele não fazia questão de se privar dele, nem do seu mais queprecioso conteúdo Era seu! Fora uma prenda da sua mãe. Eram umas calças deestimação, de que não se poderia separar por nada deste mundo! Surgiu um grave dilema. O condutor recusava-se a deixar entrar o conteúdo dosaco no autocarro. O Inácio recusava-se a prosseguir viagem sem o saco! Oimpasse durou, ainda alguns instantes. Foi então, que o Queijo sugeriu:- OInácio viajaria com o saco de fora de uma das janelas do autocarro, nãoincomodando nenhum dos viajantes! Todos concordaram! Assim, não morreriamsufocados! Até o condutor anuiu, algo hesitante. De início custou um bocadinho suportar aquele cheiro, mas lá prosseguimos aviagem rumo a Vila Nova de Gaia e ao Colégio Brotero, onde iríamos ficar umou dois dias. Por onde passávamos as pessoas protestavam. Umas, gritavam paranós obscenidades, impropérios, descontentes com o cheiro. Outras, atónitas,criticavam abanando a cabeça em atitude de censura. O que se tornava mesmoevidente a todos era: cheirava mesmo mal! Cheirava mesmo muito mal! Mesmoagora, bem distante daquele momento, recordo-me perfeita e nitidamente, podendoafirmar sem exageros e com toda a sinceridade: Cheirava mesmo muito mal! Nuncavira uma coisa assim! Era um cheiro intenso de cair para o lado! Impossível derespirar! Sentido a grande distância!
O que foi certo é que atravessamos o Porto e Vila Nova de Gaia assim, porentre protestos de toda a gente. Até que chegamos! O distinto Perfeito doColégio já nos aguardava. Homem esguio, cabelo que já lhe rareava, fatocompleto com gravata a condizer e tudo, encaminhou-nos aos nossos aposentos queeram os exíguos quartos que nos foram destinados. Entretanto, o Inácio sóansiava por lavar as suas preciosas calças contaminadas que já haviamprovocado o torcer do nariz do nosso inquieto anfitrião. Sentiu uma náuseainvadi-lo, mas pensou que lá fora algum descuido de algum de nós,transmontanos que éramos, oriundos de trás da Serra, habituados a estascondenáveis atitudes. Nós, Transmontanos assumidos, primando pelahospitalidade e afabilidade da nossa gente quando forasteiros nos visitam. Povoque sabe receber e respeitar! Povo honesto e trabalhador a que me orgulho depertencer.- Pensei para dentro de mim, apetecendo-me dar-lhe uma lição devida exemplar. Um pouco atarantado pôs-se à nossa disposição para o quefosse preciso, sem se esquecer de vincar bem as regras do Colégio que dirigiae que seriam para cumprir rigorosamente. Ali havia regras para tudo! Às onzehoras da noite apagar-se-iam as luzes! Todos deveríamos estar a descansar.Havia horas para levantar também, assim como para as refeições. Pensamospara nós que o homem devia estar maluco ou possuído por algum demónio àsolta ali! Para nós, a noite começava à meia-noite. De manhã,necessitávamos de dormir para além das horas estipuladas por ele, pois,sempre acháramos que descansar era dar força e vitalidade ao corpo. Para maisos jogos eram à tardinha. Teríamos muito tempo! Não lhe demos explicaçõesdos nossos propósitos e dos nossos incompreendidos pensamentos e dissemo-lheque não se preocupasse. Tudo seria cumprido! Claro que pensávamos agirprecisamente ao contrário de tudo o que o Perfeito rigorosamente impunha, maspermanecemos silenciosos rebuscando na nossa mente que estávamos ali para nosdivertir e não numa penitenciária a cumprir uma pena pesada e inapelável derigor. Depois de insistir e vincar bem, outra vez tudo o que havia dito, foi-seembora incomodado por aquele fedor, olhando-nos de soslaio e virando-se váriasvezes para trás com uma expressão de incómodo e ferocidade. De certeza quenão confiava em nós! Quando o vimos partir definitivamente, suspiramos dealívio! Dirigimo-nos, então, aos nossos quartos, escondendo a muito custo o conteúdoinsuportável de que o Inácio teimosamente, mas com uma certa razão, não sedesfazia nem por nada. Quando lá chegamos, parece que o estou a ver esfregando, esfregando asmalfadadas calças com água e sabonete. Aquilo estava bem entranhado e exigiaesfregar com muita força e com uma determinação apurada. Tornava-senecessário esfregar até à exaustão! Quando o suor começou a escorrer-lheno rosto, deu por concluída a sua dura empreitada. Estendeu-as numa cordaimprovisada na janela do cubículo que era o quarto que lhe fora atribuído esossegou. O Inácio sossegou, finalmente! O seu tesouro resistira a tudo e, porfim, estava seguro, bem perto e vigiado pelos seus olhos atentos a qualquereventualidade! Surgia agora a hora do descanso que antecedia o jantar. Iria ser a nossa primeira noite, das duas noites, de estadia naquele Colégio. Naquela altura, ansiávamos por nos divertir. Escusado será referir queninguém descansou naquele momento. Recordo-me que todos nós e, há falta demelhor, prontificamo-nos a vasculhar tudo o que havia nos quartos, que nosforam atribuídos. Éramos intensamente curiosos e desejávamos acção quepusesse término àquela apatia forçada, provocada pelas palavras repletas deimpessoalidade e de cariz imperial do nosso antipático anfitrião: o Perfeitodo Colégio. Abrimos gavetas, abrimos as portas dos móveis, abrimos os tamposdas secretárias, as gavetas das cómodas e tudo o que estava ao nosso alcance.Ao mesmo tempo desfazíamo-nos das mochilas, atirando-as para um canto. Ainvestigação que decidimos encetar unanimemente, deveria ser cuidadosa, semdeixar escapar nenhum pormenor, aos nossos apurados sentidos. Parece que nosvejo tão compenetrados que esquecêramos que tudo aquilo não era nosso. Estapesquisa levada a cabo por nós não tinha o intuito de furtar nada, mas sim,única e simplesmente pura curiosidade juvenil. Pelo menos estávamosconscientes disso. Eram rapazes da mesma idade que nós, portanto com os mesmosgostos e interesses. Por outro lado, aquilo parecia aos nossos olhos algosubversivo, atentatório às palavras do Perfeito ditador, que nos incentivavaainda mais a agir daquela forma. No meio daquela confusão toda instalada, o sempre brincalhão e, ao mesmotempo conflituoso Queijo, metia-se com o emocionalmente instável Avelino,possuidor de trejeitos e tiques algo efeminados, que aceitava tudo, revoltadocom o facto de naquele instante ser o bombo da festa. Tínhamos tirado à sorte os nossos parceiros de quarto! Eu ficaria com o meuprimo Anacleto, sempre sensato e sóbrio nas atitudes que tomava e, paraacontecer uma desgraça previsível, que nós sentíamos existir bem patente emtodos os nossos rostos e que temíamos, o Queijo ficaria no mesmo quarto com oAvelino. Uma discussão acalorada, sem ser novidade ou inesperada por nós, tinha-seinstalado e concentrava-se no quarto dos dois. O Queijo recusava-se com determinação a compartilhar o quarto com o Avelino! De súbito, algo veio acalorar ainda mais os ânimos. O Batista havia aberto uma gaveta da cómoda daquele quarto, ficandoestupefacto com o que divisara lá dentro. Deu um grito de terror em face doseu conteúdo. Acorremos aflitos! A surpresa estendera-se a todos! Lá dentro,por entre soutiens e cuecas de senhora vislumbrava-se um verdadeiro manancialde adornos e objectos de estética feminina. Apetecia-nos desmaiar deincredulidade. Aquele Colégio só admitia rapazes! Havia pó de arroz para embelezar o rosto. Havia sombras para os olhos! Haviabaton para os lábios! Havia rimel! Havia pinças para as sobrancelhas! Haviaum frasco de rouge! Havia perfume feminino! Recordo que na altura sentimos receio, algum receio! Numa altura das nossasidades em que procurávamos encontrar a nossa identidade sexual e afirmar anossa virilidade aquilo arrasava tudo! Temíamos que esta descoberta, numColégio masculino como aquele, provocasse escândalo e apreensão perantenós, alicerçado pelo procedimento que os mais ousados pudessem tomar. Sei quea descoberta nos tocou profundamente no aspecto negativo e deu motivo aespeculações sobre o verdadeiro local onde nos encontrávamos. Conclusão: Aquilo caiu como uma bomba! Havia homossexuais naquele colégio! E o achado fora logo no quarto do Queijo edo Avelino! Era preciso ter azar! Se fosse noutro, por certo, seria ignorado eesquecido, remetido ao silêncio e a uma indiferença total, pois, não seenquadrava nos nossos valores e formas de vida a seguir! Daí o espanto! Masfora logo no quarto daqueles dois! Temia-se o pior dos cenários. O Queijo espumava de horror, como que acometido por um AVC fulminante, nãoquerendo acreditar no que presenciava, zeloso da sua masculinidade. O Avelinotremia de pavor pelo que lhe poderia acontecer. Na perspectiva do Queijo era deponderar se não tinha sido o indefeso Avelino o portador daquilo tudo, semninguém se aperceber. O Avelino chorava, desesperado e jurando que não eragay. - Eu não sou gay!- jurava de joelhos perante todos nós, esperando queacreditássemos no seu lamento e lhe expressássemos clemência e perdãoperante a inocente acusação, como num tribunal verdadeiro. O Queijo é quenão estava pelos ajustes na sua condenação! Em frente a todos proclamou:- Eurecuso-me a dormir aqui! Está dito! O que aconteceu foi que, depois dum jantar pouco suculento, ninguém dormiunaquela noite. Nem ninguém arredou pé do quarto das preocupações, pois,não havia sono, nem sossego em nenhum de nós. Até mesmo no Avelino! As luzes apagaram-se às onze da noite, mas ninguém tinha sono.Improvisaram-se duas velas que alumiariam até ser dia. Ainda se pensou numasaída clandestina para a cidade saltando o muro, mas cedo se reconheceu sermuito arriscado e poderíamos ser expulsos dali, sem contemplações.Já a meio da noite, o Queijo desgostoso e inconformado pelo que estava aacontecer, deambulava pelo Colégio ao acaso, tentando aclarar as ideias emrelação a tudo. Nisto, pressentiu uma sombra esquiva perto de um dos quartos,na profunda obscuridade. Pareceu-lhe o seu inimigo Avelino e, para o castigar,levantou a mão e passou-lha pelo traseiro. A silhueta ripostou e a claridaderaiou no Colégio, com as luzes todas abertas. Era o Perfeito do colégio quesofrera este grave ultraje! Entretanto o Queijo sumira-se por entre as sombras.Não havia sinais dele! O homem estava colérico, indignado e ameaçou-nos quenão ficaríamos nem mais um dia! Apagou as luzes, antes de se retirar, jurandoque aquela afronta iria ser severamente punida. Tínhamos que fazer algo, pois,estava em causa o nome do nosso Liceu e o nome da nossa esplendorosa cidade.De manhã, por entre olheiras e uma indisfarçável culpa, fomos repreendidos e,até repreendidos pelos nossos responsáveis. Através de insistentes pedidos dedesculpa e, através do Reitor do nosso Liceu também, permanecemos no ColégioBrotero até ao final do torneio. Ficámos em terceiro lugar, derrotados peloLiceu Garcia da Orta, que mais uma vez chegou aos cem pontos, e pelo Liceu deViana do Castelo. Vencemos aos Liceus de Bragança e de Braga. Mostramos emcampo a nossa educação e determinação e regressamos à nossa cidadesatisfeitos pelo são convívio vivido.Nunca esqueci este momento, nem as peripécias acontecidas, fazendo-as agoraavivar na minha memória, longe e distante daqueles tempos que recordo comsaudade.
Ainda hoje me pergunto, um pouco escandalizado: A existência daquele arsenalde produtos de beleza para senhora que estariam a fazer num Colégio só pararapazes?
Nunca o soube! Nem nunca procurei sabê-lo!