Nisto um silvo furou o ar.
Olhei para baixo e vi uma mancha de sangue mesmo abaixo do meu joelho do formato de uma bala. Fora atingido!
Eu brincava com o meu irmão nos terrenos externos e anexos ao bairro de habitação económica de Alves Roçadas onde habitávamos com os meus pais.
Lembro-me que eu e o meu irmão espreitávamos pela janela de casa, esperando ansiosamente que não houvesse vivalma para descermos à rua com o intuito de brincar. Nunca compreendi muito bem porque não alinhávamos com os rapazes dali, mas sinto e estou persuadido a afirmar que não gostávamos lá muito deles.
Ao aperceber-me que levara um tiro, ainda vislumbrei ao longe um rapaz alto, esguio, mais idoso que eu, armado com uma arma. Andaria à caça em plena cidade? Mas eu não era nenhuma presa animal - Pensei para comigo, confuso e com dores no lugar onde fora surpreendido daquela maneira.
Assim como me atingiu no joelho, poderia ter-me acertado num olho ou até na cabeça! – Pensei, ainda incrédulo pela situação algo invulgar de que fora alvo.
Quando olhei de novo para o sítio onde o rapaz se encontrava, ainda, havia pouco tempo, pois, parece-me que o estou a ver, que estou a ver a sua silhueta não identificada, constatei que tinha desaparecido como por encanto.
Ainda hoje, desconheço essa figura que me alvejara e por pouco não havia terminado com a minha existência. Eu, que não fazia mal nem a uma mosca e que tentava sempre agir com sobriedade e bom senso, a muito custo, numa atitude esforçada para o conseguir, diga-se em verdade!
Arranjei sangue frio, não sei como, para rastejar até casa.
Quando a minha mãe se apercebeu do meu mal, entrou em pânico. Não pediu explicações e não fez nada, aterrada que se encontrava.
Pensou baixo: Tudo acontece a este rapaz! Um tiro, não lembraria a ninguém! Um tiro, parece de loucos! Que irá ser no futuro este homenzinho?
Aconchegada na sua inacção e nos seus pensamentos esperou pelo meu pai e pela serenidade que este demonstrava sempre que me acontecia alguma coisa.
Lá pensaria para ele que éramos jovens traquinas, em idade para o sermos.
O meu pai era maravilhoso para mim. SEMPRE!
O meu pai compreendia as nossas diabruras e, quando chegou, não se preocupou com o acontecido para nossa surpresa. Um tiro é um tiro! Mas ele reagiu bem e levou-me, imbuído da maior calma, à casa de Saúde, mesmo ao pé de nossa casa.
O médico que estava de serviço examinou-me, cuidadosamente. De pronto fez o diagnóstico. Levaria uma injecção anti-tétano como precaução e a bala conservar-se-ia no seu lugar. Diagnosticou mais que, não seria operado e que o projéctil acabaria por desfazer-se no meu joelho com o passar do tempo.
Suspirei de alívio e o meu pai penso que também, imperturbável de emoções manifestas como sempre que se revelava.
No dia seguinte, levei a injecção recomendada, das mais dolorosas que até agora me foram administradas e, fiquei pronto para continuar a assustar os meus pais, com a minha permanente atitude irreverente, própria da infância turbulenta que eu vivia.
Por coincidência ou ironia do destino, mais tarde sopraram-me ao ouvido que o meu médico salvador era, nem mais nem menos que o pai do atirador.
O atirador furtivo desta cidade, agindo em plena cidade, nunca me inteirei do seu paradeiro ou me preocupei quem era, mas vozes afirmaram que se tratava de um adolescente e, um adolescente enfrenta o perigo, enfrenta situações inesperadas, vive problemas de identificação com alguém ou consigo próprio, em resumo: faz asneiras e comete erros!
Eu compreendia os erros dos outros que eram os meus erros. Nunca lhe levei a mal o seu acto. Compreendi-o! Respeitei-o porque se calhar não morri ou não fiquei atrofiado de algum mal.
Por outro lado, que contas prestaria à sociedade aquele progenitor, ilustre figura da cidade de Vila Real, pelo acto violento, grave e impensado do seu filho e educando? E a sua educação estaria a ser a mais correcta?
Um sem número de questões se levantaria, por certo, que serviriam somente para o atormentar e desacreditar. E isso, eu não desejava a ninguém! Eu era dotado de escrúpulos morais suficientes para entender o que um escândalo deste género poderia desencadear. Nunca soube se este segredo, dito em surdina, correspondia à verdade.
Não sei se, agora, tão distante daquele momento, para mim inquietante e insólito, a bala ainda se encontra instalada abaixo do meu joelho, mas permanece a lembrança desta situação que sinto vivida por mim e pela sua controversa expressão de incredulidade, acontecida naquele instante, na plena, linda, adorada e maravilhosa cidade de Vila Real que não se dissipou da minha memória.
Pena
Pena. Dia 07.01.2010. Janeiro 2010. 24h. “O Tiro De Que Fui Alvo…”
Bem-Hajam, Estimados Visitantes Amigos (as).
Um Bem-Hajam pela vossa simpatia constante.
MUITO OBRIGADO pela Vossa amabilidade. É recíproca.
Abraço.
Espero que leiam e que gostem.
Permaneço-vos eternamente grato.
Pena