Sempre sorri ao Mundo quando ainda de tenra idade!
Sempre o afaguei num abraço. Num gesto simples! Num sentimento profundo!
Chorei. Sorri. Amei. Desanimei-me. Alegrei-me.
Tudo isto, pela complexidade da incompreensão. Pela pureza que ia em mim.
Pelos sonhos belos soçobrados e inacabados.
Compreendi que nunca o iria compreender. O Mundo!
A minha irmã, companheira inseparável de uma vida, era de uma ternura e pureza deslumbrantes.
Chamava-se Paula, mas todos lhe chamávamos de a Nossa Menina. Para mim, a Minha Menina. A sua idade distanciava muito da minha. Quando fez a sua aparição ao Mundo, parece-me que ainda a vejo no berço, aquela encomendinha intocável, frágil.
Possuía uns olhos muito belos e cintilantes, faiscando de curiosidade.
O seu nascimento mudara completamente a minha existência.
Relembro a sua infância. A minha infância. Incontornáveis no tempo.
Lado a lado.
Recordo um boneco que era dela. Só dela! Que amava.
Eu olhava-os aos dois. Sim! Eu observava-os! Extasiado com a minha seriedade infantil. Com uma inocência desmedida. Atenta! Que parecia compreender. Entender!
E, a minha vida e a vida dela mereciam que eu entendesse. Que compreendesse!
Existia em nós uma cumplicidade que ninguém entenderia. Só quem a vivesse, como nós a vivíamos.
Recordo o boneco. Ela pusera-lhe o nome de Joni.
Para ela o Joni tornara-se um filho. Entrara na sua vida.
Um anjo que nascera para viver sempre com ela.
Embalava-o quando tinha sono. Alimentava-o quando tinha fome. Importava-se com ele quando necessitava do seu carinho. Do seu amor. Da sua protecção.
O Joni não tinha olhos. Não tinha braços. Não tinha pernas. Não tinha cabelo. Nem pés. Nem mãos.
Só uma cabeça metida num tronco, não descortinava como!
Não estranhei nada. Se ela o amava era porque devia ser bom. De certeza! Eu tinha a certeza que ele era bom! A minha irmã tornara-se para ele uma mãe. Eu achava aquela mãe, uma mãe dedicada. Uma mãe maravilhosa. Insubstituível! Única, pelo fervor das atenções para com ele.
Se ela gostava dele. Eu gostaria dele!
Aconteceu um dia.
Falaram-lhe de uma pequena cirurgia num hospital famoso de bonecas, na distante capital. O joni iria ser operado! Ele que não estava doente!
A minha doce irmã não disse que sim, nem que não. Não fez objecções a nada. Se era para o bem dele havia que fazer tudo.
O Joni foi operado.
A intervenção cirúrgica correu mal, ele não resistiu e acabou por sucumbir.
A minha irmã não chorou uma lágrima, mas sentiu um aperto interior que era só dela, do seu íntimo mais profundo.
Tudo tem o seu fim! Aquele marcou um capítulo importante na sua vida infantil.
Na minha vida infantil!
A partir daí, a minha irmã recusou todos os bonecos. Lindos! Esplendorosos! Bonitos! Normais! O seu que era tudo isto para ela e muito mais.
Afinal, algo perdurou em mim: a magia do seu encanto, o encanto da minha irmã e dos seus belos pensamentos e sentimentos em relação a tudo isto.
Em relação à vida e à morte.
A minha amizade por ela na sofrida luta pela vida, com Joni ou sem Joni.
Esta sensação de perda com um valor e uma importância afectiva desmedida, perdurou muito tempo na sua memória. Na minha memória transparente, pura e sem iniquidade, como deve ser a memória infantil!
By Poliedro.