Demorara tempo a preparar-me, é certo, mas tinha o meu orgulho e ia mesmo para brilhar! A minha mente fervilhava de entusiasmo, mas de prudência também, acalentando o desejo de encontrar Professores compreensivos, não demasiado exigentes, que me pudessem complicar a vida. Não que lhes tivesse medo ou pensasse no fracasso. Não! Eu não ia fracassar! Estava confiante e, aos olhos dos meus pais, um belo rapaz. Tudo estava preparado para que a minha prestação corresse com um retumbante e estrondoso sucesso. Eu tinha-me preparado para que isso acontecesse, tinha-me preparado para que se tornasse uma evidência flagrante e, até, aplaudida por todos, mesmo aqueles que não davam nada por mim. Mesmo esses, desconhecedores de alguns aspectos muito aguerridos e determinados do que eu era! Sim, falo também desses! Principalmente desses! Eles iriam ver com os olhos que a terra haveria de tragar um dia! Não lhes tinha rancor, desejava só que se pusessem a pau comigo! Eu não estava ali para brincar, compenetrado da enorme importância daquela prestação e do que dela poderia resultar. Em suma, as minhas expectativas eram imensas!
Tinha chegado a hora. Olhei-me ao espelho uma última vez e, embora, contente com a minha aparência de homenzinho, pensei que o traje que estava a observar era destinado mais ao meu casamento. Eu, que pensava nunca casar! Mas, tudo bem. Lá fui.
Cheguei muito cedo à escola. Penso que naquele dia fui o primeiro. Passados longos instantes, que me pareceram séculos, chegaram mais alunos todos abonecados com o melhor que tinham para vestir. A porta foi aberta. O exame decorreria numa escola, mesmo em frente ao Seminário Episcopal da minha querida cidade onde nasci.
A escola encontrava-se em estado decrépito e, através dos inúmeros corredores já gastos, pressentiam-se as paredes em mau estado, prestes a desmoronarem-se. Seguimos o funcionário da escola, compenetrados no nosso papel de Finalistas. A partir dali tudo seria diferente. Era a derradeira prova para todos nós, homenzinhos em corpo de crianças. Homenzinhos sonhadores. Homenzinhos puros e ternos. Homenzinhos não de corpo, mas de alma preparada para vencer. Homenzinhos desconhecedores do mundo, da vida agreste lá fora, mas cientes de que era relevante triunfar em todos as circunstâncias da vida, por vezes, amarga e difícil que era! Enfim, rapazes de fibra, sabedores, lutadores por uma existência melhor, menos sofrida e sentida, às vezes, mesmo dura e inapelável. Sim! Lutadores por uma vida menos impiedosa, onde a felicidade era inexistente, mas que os fazia determinados, aguerridos, vestindo uma capa de persistência e de querer sobre-humanas que mereciam tudo o que lhes pudessem oferecer, sem pedir nada em troca. Era assim que eu via alguns deles e admirava-os! Admirava-os intensamente, apesar de não passar de uma criança como eles!
Sentamo-nos nas carteiras. Por entre risos e uma conversa animada e descontraída, entraram os Professores, percorrendo-nos com um olhar perscrutador e atento, quando em conjunto nos levantamos. A um sinal deles, regressamos às nossas carteiras.
Quando as observei mais atentamente, tremi. Duas das Professoras eram minhas conhecidas e amigas dos meus pais: a D. Gertrudes, minha vizinha do lado e a D.Fagundes, mãe do meu melhor amigo, o Alfredo. Torci o nariz! Elas poderiam estragar o meu bom nome. Poderiam deitar tudo a perder, sendo conhecidas. E se me quisessem cumprimentar com um beijo?- pensei, aflito. Seria o desmoronar de tudo. Seria como se pusessem ali uma bomba-relógio e que rebentasse naquele instante. Oh! Que mal fizera eu a Deus? A D. Gertrudes e a D. Fagundes ali! Pensei em fugir. Desistir de tudo! Pensei até no suicídio ou antes, numa forte dor de barriga, uma vez que ainda era muito novo para morrer!- pensei nisto tudo em catadupa, numa avalanche de ideias más e num pânico desmedido sentidos existentes em mim.
Em tumulto interior, assisti aos dois primeiros exames que correram bem. A seguir era eu. Reconheceram-me! Estou tramado!- pensei para comigo, numa sinceridade de desilusão.
Sentei-me. Eu tinha razão em tudo o que pensara ali, breves instantes antes.
Faziam as perguntas e respondiam elas. Faziam a leitura elas, quando eu gostava tanto de ler. Faziam as contas, quando eu adorava contar. Localizavam os rios e as linhas de caminho de ferro, quando eu sabia-as indicar na ponta da língua.
O meu exame durou menos de cinco minutos, enquanto os outros duraram uma hora de sofrimento e aflição.
Sinceramente. Fiquei ofendido! Fiquei desiludido! Senti uma frustação enorme, indescritível! Quase desatei num pranto enorme de revolta do tamanho do mundo!
E que dizer da classificação final: Aprovado com distinção!
Cheguei a casa num farrapo! Tratei mal toda a gente, eles que não tinham culpa! Jurei que não fizera exame nenhum. Finalmente, meti-me no quarto e chorei. Chorei sem parar! Chorei pelo que me tinham feito e por fazerem o meu exame da quarta classe, que era meu, a elas próprias. Chorei de revolta e de indignação! Senti-me inútil e a morrer de desilusão. Num pranto de lágrimas, adormeci, ansiando por não acordar mais.
Quando a minha mãe chegou, expliquei-lhe o que se tinha passado. Sorriu para mim e agradeceu a Deus o filho que tinha! Reconfortou-me e, quando me perguntou, se ao menos lhes tinha dado um beijo, suspirei de alívio e não respondi.
Ao menos não me haviam pedido um beijo!- pensei, convencido de que não conseguiram que eu passasse por aquela vergonha, passasse por aquela afronta e o descrédito perante todos, o que seria o término da minha existência para sempre!
Foi então que sorri, agradecendo ao destino e a Deus, por aquilo não ter acontecido comigo em plena sala de alunos da minha idade, no meu exame da quarta classe!
Poliedro.