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Monday, January 10, 2011

Recordações de Infância: "A Colcha E A Vergonha Da Minha Mãe"!


A minha adorada Cidade-Natal suava. Era dia de festa. Daqueles dias muito importantes e majestosos do calendário. O suor imiscuía-se em tudo que era vida. Nas pessoas. No seu mundo. Na comemoração desta efeméride de cariz Cristão.

Encontrava-se tudo engalanado. Perfeito. De agradável sensação ao nosso olhar.

Relembro-me tão bem. Com precisão exacta. Uma exactidão precisa.

Nós habitávamos num bairro económico. Chamava-se de prédios de “Alves Roçadas”, onde praticamente passei toda a minha infância.

Naquele dia vestimo-nos a preceito. Eu e o meu irmão João sufocávamos nas nossas roupas, mas alguém nos segredou que a comemoração assim o exigia.

Era Domingo de Páscoa. Tínhamos de fazer aquele jeito sofrido em trajarmos daquela forma, mesmo sem concordarmos.

Tornava-se uma obrigação contrária às nossas intenções, mas assentimos apesar de parecermos ridículos e sem graça nenhuma.

Naquele instante passava a Procissão no empedrado da nossa rua. Olhei a Procissão e olhei o Céu.

No exacto momento em que passava o andor com a Cruz de Cristo e o diligente sacerdote repleto de seriedade, olhei bem e vi nas janelas colchas esbeltas e escolhidas para aquele Dia tão Especial.

Na minha janela estava a minha adorada mãe e uma colcha descaída sobre o parapeito daquela abertura que observava para a rua, para a vida, que jamais vira, mas a mais bela e extraordinária aos meus olhos embevecidos de ingenuidade e terna idade.

Tudo e todos se encontravam na mais completa religiosidade e silêncio naquele instante.

Quando se ajoelharam para saudar o Senhor, proferi alto e a bom som, para a minha esbelta, estimada e adorável mãe:

- “ Que linda, mãe, é nossa? Já pagaste? Foi a prestações ou de pronto? Vais pagar aos poucos? Que linda que é, mãe. Já é nossa?

A minha mãe, transpirava, corava e dizia-me por gestos para me calar.

Entretanto, a Procissão parara. Observavam-nos, incrédulos. Atónitos. Surpresos.

E, por fim, sorriram perante tanta pureza. Tanta sinceridade e cristalina emoção e pensamentos meus.

Minha mãe, nesse dia escondeu-se do mundo. Não me repreendeu nem nada, mas sentiu uma certa sensação parecida com um misto de ternura e de vergonha.

Não levei umas chineladas, sabem bem porquê? Eu era assim, não havia nada a fazer.

A Procissão prosseguiu com rostos banhados de embevecimento e compreensão para comigo. Para com a minha mãe. Desculpou-me a minha inocência. A minha singeleza.

Foi mais um capítulo da minha existência. Pura. Terna. Sincera e de água transparente e cristalina do meu sentir infantil.

Recordo-me como se fosse hoje.

Todos me perdoaram a minha impertinência e Ele penso e creio que também.

Foi e será sempre um registo precioso da minha vida que nunca esqueci.

Um marca iníqua e preciosa na minha tenra idade.

É bom recordar, sabem?

Pena.

10 de Janeiro de 2011

Encontrei “isto” nos meus imensos e inúmeros rascunhos de vida.

Oxalá, gostem?

MUITO OBRIGADO pela vossa preciosa visita.

Bem-Hajam, sim?