A minha adorada Cidade-Natal suava. Era dia de festa. Daqueles dias muito importantes e majestosos do calendário. O suor imiscuía-se em tudo que era vida. Nas pessoas. No seu mundo. Na comemoração desta efeméride de cariz Cristão.
Encontrava-se tudo engalanado. Perfeito. De agradável sensação ao nosso olhar.
Relembro-me tão bem. Com precisão exacta. Uma exactidão precisa.
Nós habitávamos num bairro económico. Chamava-se de prédios de “Alves Roçadas”, onde praticamente passei toda a minha infância.
Naquele dia vestimo-nos a preceito. Eu e o meu irmão João sufocávamos nas nossas roupas, mas alguém nos segredou que a comemoração assim o exigia.
Era Domingo de Páscoa. Tínhamos de fazer aquele jeito sofrido em trajarmos daquela forma, mesmo sem concordarmos.
Tornava-se uma obrigação contrária às nossas intenções, mas assentimos apesar de parecermos ridículos e sem graça nenhuma.
Naquele instante passava a Procissão no empedrado da nossa rua. Olhei a Procissão e olhei o Céu.
No exacto momento em que passava o andor com a Cruz de Cristo e o diligente sacerdote repleto de seriedade, olhei bem e vi nas janelas colchas esbeltas e escolhidas para aquele Dia tão Especial.
Na minha janela estava a minha adorada mãe e uma colcha descaída sobre o parapeito daquela abertura que observava para a rua, para a vida, que jamais vira, mas a mais bela e extraordinária aos meus olhos embevecidos de ingenuidade e terna idade.
Tudo e todos se encontravam na mais completa religiosidade e silêncio naquele instante.
Quando se ajoelharam para saudar o Senhor, proferi alto e a bom som, para a minha esbelta, estimada e adorável mãe:
- “ Que linda, mãe, é nossa? Já pagaste? Foi a prestações ou de pronto? Vais pagar aos poucos? Que linda que é, mãe. Já é nossa?
A minha mãe, transpirava, corava e dizia-me por gestos para me calar.
Entretanto, a Procissão parara. Observavam-nos, incrédulos. Atónitos. Surpresos.
E, por fim, sorriram perante tanta pureza. Tanta sinceridade e cristalina emoção e pensamentos meus.
Minha mãe, nesse dia escondeu-se do mundo. Não me repreendeu nem nada, mas sentiu uma certa sensação parecida com um misto de ternura e de vergonha.
Não levei umas chineladas, sabem bem porquê? Eu era assim, não havia nada a fazer.
A Procissão prosseguiu com rostos banhados de embevecimento e compreensão para comigo. Para com a minha mãe. Desculpou-me a minha inocência. A minha singeleza.
Foi mais um capítulo da minha existência. Pura. Terna. Sincera e de água transparente e cristalina do meu sentir infantil.
Recordo-me como se fosse hoje.
Todos me perdoaram a minha impertinência e Ele penso e creio que também.
Foi e será sempre um registo precioso da minha vida que nunca esqueci.
Um marca iníqua e preciosa na minha tenra idade.
É bom recordar, sabem?
Pena.
10 de Janeiro de 2011
Encontrei “isto” nos meus imensos e inúmeros rascunhos de vida.
Oxalá, gostem?
MUITO OBRIGADO pela vossa preciosa visita.